Abstrai Um Grito
Olhei para dentro da minha alma, em pé sobre o telhado íngreme da vida apoiado sobre a perna esquerda abstrai meu canto aos prantos do grito:
“-Fodam-se aqueles que não sabem enlouquecer as palavras embebidas em vinho, muito pouco saborear o amargo do amor!
Deixe que caminhem sob as cinzas dos velhos paletós risca-giz. Que se atrasem nossos orgasmos as vinte e duas horas e trinta minutos, vida longa aos que sentem sede de saudade eterna!
Não olhem para mim como se eu fosse um mercador de palavras rimadas. Para o pó filhos da destruição, trovadores da desordem esquizofrênica de um adeus incansável de paz.
Quantas moedas ainda terão de oferecer á fonte dos desejos? Gargalharei até que se realize ao menos um.
Quanto tempo ainda terá aqueles falhos estômagos infantis, febril carcaças de sonhos espalhadas pelas ruas malabaristas das grandes cidades. Gargalharei até que se preencha de sabor ao menos um.
Toda hipocrisia deveria ser punida perpetuamente arrancando-lhes a cada dia um naco de seus corações, se lá existir algum. Não existe selvageria mais cafajeste do que o ato estúpido da insanidade hipócrita. Há morte, fome e pés descalços entre outras desgraças, nenhum alienígena ousaria invadir nossos jardins.
-Um ticket por esse cilindro de ar, não posso morrer agora! Tenho ainda disponíveis milhões de coisas para pensar.
-Um ticket para que desligue essa TV. Não posso mais ter com a desgraça, absolutamente absurdos em terceiras dimensões. Tenho ainda disponíveis milhões de palavras para encaixar em algum lugar.
Será que vai adiantar estilhaçar as vitrines que vendem nossas vidas? Não tenho certeza se valerá a pena.
Olhei para dentro da minha alma, em pé sobre o telhado íngreme da vida apoiado sobre a perna esquerda abstrai meu canto aos prantos do grito, desci, caminhei e entrei pela porta contemplando a garrafa de café vazia e sentindo no rosto a calmaria do ventilador que espantava o ar da minha própria hipocrisia.”