Carona de candidato - do poeta Zé Laurentino
Meu compadre Severino
Me apresentou certo dia,
Com a maior alegria
Ao dotô Zeferino.
E este, muito grã-fino,
Tratou-me dentro da norma;
Apertou a minha mão
e disse: - Satisfação!
Eu disse: - Da mesma forma!
Depois me deu seu cartão,
O retrato, o endereço.
Eu disse: - Assim não mereço!
Disse ele: - Faço questão!
Ainda me perguntou
Onde era a minha casa.
Eu lhe respondi: - No sítio, dotô,
Muito pra lá da Ceasa.
Ele acendeu um cigarro
E disse: - Entre no meu carro,
Comigo ninguém se atrasa!
Quando ele disse aquilo,
Meu coração deu um salto,
Eu já ando desconfiado
Com essa onda de assalto.
Mas depois pensei comigo
Que aquele cidadão
Não podia ser um ladrão,
Afinal era um dotô.
Quando eu vi o carro novo
E o toca-fitas tocando,
Comigo fiquei pensando:
- Isso é um conquistador!
Pensei nas minhas meninas,
Pensei também na mulhé.
Mas depois pensei comigo:
- Seja lá o que Deus quisé!
Entrei no carro do home
E o home empurrou o pé.
- Ô carro novo danado,
Ô homem conversador!
Eu chega tava acanhado
Pra conversar com o dotô.
Foi me deixá lá em casa,
Subindo ladeira e grota.
Ao meu guri mais novo
Ainda deu uma nota.
Cumprimentou com respeito
Minhas fia e a mulhé,
E aceitou com muito gosto
Cuscuz de mi com café.
Depois que o homi saiu
Fiquei de braço encruzado
Pensando comigo mesmo:
- Ô cidadão iducado!
Daquele dia pra cá,
Onde o home me encontrava,
Ainda que fosse correndo,
Quando me via, parava.
Abria a porta do carro,
Mandava entrar e eu entrava.
E se tivesse bebendo
Com uma turma de amigo,
Deixava os amigos lá
E vinha falar comigo.
Um dia, eu cheguei num bar,
Perto da banca de jogo,
E lá estava o dotô,
Bebendo, “puxando fogo”.
Quando ele me avistou
Veio logo pro meu lado,
Dizendo: - Vamos beber
Comigo no “reservado”?
Aí eu pensei comigo,
Já meio desconfiado:
- Ou esse dotô é santo
Ou pensa que eu sou viado.
Mas aí olhei o home
Desde riba inté embaixo,
E eu vi que ele tinha jeito
De um cabra muito macho.
- Eu também não levo jeito
Pra certas coisas, patrão!
E finalmente eu aceitei
Entrá com o cidadão.
Ele sentou-se numa mesa,
Do seu lado eu me sentei.
Olhou bem na minha cara,
Na sua cara eu olhei.
Ele olhou pro garçom
E depois falou assim:
- Garçom, traga por favor
Uma dose dupla de Gim.
Aí eu disse: - Seu moço,
Traz uma cana pra mim!
Nisso o garçom saiu,
Esperto que só raposa.
Foi quando o home me disse:
- Vou lhe pedir uma coisa!
Eu disse: - Pode pedir,
Não precisa se acanhar.
Não sendo o que tô pensando,
Poderei até lhe dar.
Então o homem sorriu
E foi me dizendo: - Eu noto
Você meio desconfiado,
Se pro seu lado eu me boto.
Eu só quero de você
E da família é o voto!
É que eu sou candidato,
Quero ser vereador.
Pra ajudar essa pobreza,
Esse povo sofredor.
Foi quando eu disse: Dotô,
Eu voto em Massaranduba,
Minha mãe em Cabrobró,
Minha mulhé em Natuba.
Minhas fias em Cochichola
E papai lá em Pipirituba.
Então, por esse motivo,
Não vou votar no senhor.
Quando olhei para o home,
Tava mudando de cor.
Não disse uma nem duas.
Não falou e não sorriu.
Olhou de longe o garçom,
Chamou com um “psiu!”
Puxou do bolso a carteira,
Pagou a conta e saiu.
Daquele dia pra cá,
Eu confesso a vocês, meu povo:
Nunca mais tive o direito
De andar de carro novo.