FADO
I - O Náufrago
Mergulhado em meu fado
Como um náufrago no mar da vida,
Sinto o gosto da salobra água
A irritar a garganta e as feridas
Ainda abertas – em abundância
Ou no ponto inadequado,
O sal da vida a torna insuportável!
Há momentos em que tamanha é a dor
Que na água sinto um gosto diferente:
O gosto da ferrugem escarlate do esquecimento;
E quando o sinto mesclado ao amargor,
Percebo que o fel vem das entranhas
Da vida marinha que eviscerei,
Espalhando a morte com a minha dor
– da vida sempre evitamos o fel e seus venenos,
mas pequenas doses de amargura,
de remédio podem se tratar
para uma vida monótona e insulsa!
E perdido nesse mar confuso
De sentimentos conflitantes,
Deixo-me levar pelas ondas
Sonoras do Fado e sou arrastado
Pela melodiosa voz para algum ponto
Remoto e desconhecido
– talvez de minha mente,
de meu coração ou de minha alma –
Como um mantra que ao chela
Transporta a uma outra dimensão
Ou a um outro estado de consciência,
Por vezes o diluindo
No oceano universal da vida
Em profunda meditação transcendente!
II - O Fausto
A dor factual do meu triste fado
Cantada em Fado me faz refletir
Sobre os recentes fatos
Em minha vida que destroçaram
Meus fátuos pensamentos e sentimentos
De um fausto relacionamento amoroso,
Revelando que este – de fato –
Não passava de fogo-fátuo!
Por fugazes instantes
Quis ter a coragem de Fausto
Para selar um diabólico pacto,
Que ainda que de sangue fosse,
Outras intenções certamente teria;
Pediria amor, sinceridade,
Gratidão, honestidade,
Dedicação, reconhecimento,
Apoio e tantas outras coisas
Que não recebi, mas considerando
O fim fatídico do lendário doutor,
Prefiro continuar acovardado
E recolhido em solitária dor!
III - O Fado
Do transe amargurado
Lentamente sou despertado
Quando percebo uma segunda voz
Em uma música de uma só voz,
E vejo que a voz terna de albor
É o canto de um pequeno
E célico habitante
– centelha do amor e fragmento
de minha alma agonizante!
Minha pequenina centelha
Deixa suas fantasias
E sonhos animados
De luminosas e vibrantes
Cores vindas do espaço,
E estende os pequenos braços
Ao pedir para ouvir
Meu triste Fado junto a mim
– do meu triste fado nada conhece,
apenas o vivencia inconsciente
e com sua adorável inocência!
Sentado em meu colo,
Começa a ficar reflexivo,
Como se compartilhasse
De meus pensamentos e sentimentos,
E compartilhando o mesmo FADO
Ficamos os dois ali,
Em cúmplice silêncio!
IV - A Fada Sereia
Com a fada fadista
Cantando o fado
Cruelmente insensível
Qual fatídica canção de ninar,
Começo a embalar seu corpinho
Apertado contra o meu,
Com muito amor e carinho.
Sem poder com as mãos acariciar,
Esfrego a barba por fazer
Em seus castanhos cachos,
E nesse afago volto a navegar
Pelos versos da fadista,
Com sua voz hipnótica
De lusitana sereia a atrair-me.
No embalo da balada
Fatal das terríveis Parcas,
Distantes nos perdemos
No badalar das horas,
Enredados na trama
Da similar e cantada história!
V - O Infante
Uma passagem mais tocante
Toca as profundezas da alma
E as emoções marinhas enchem
Meus olhos qual maré,
Molhando os caracóis em ondas
De desespero que contenho
No quebra-mar do silêncio
Para poupar seu coração de menino,
Mas então percebo que adormecido
Já estava pelo canto mágico da fadista,
E nem percebeu que o coroei
Com meu molhado diadema
De reluzentes águas-marinhas!
Levo-o para o seu leito
E ao unir nossas frontes
Para um terno beijo
(um ”beijinho de esquimó”),
Uma gota de lágrima une
As pontas dos narizes.
E tomando entre as mãos
As maçãs do seu rosto,
Com sua doçura a contrastar
Com o meu em salmoura,
Digo sem pensar, emocionado:
– Você foi o melhor verso do meu FADO!!!
Julia Lopez
24/01/2013
Obs.: Poema sobre meu filho, que já não vive mais comigo (toda a dor advém disso) em decorrência da separação conjugal. O episódio realmente ocorreu no dia 1º de dezembro de 2012.
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