O muro
Podíamos ter construindo o castelo mais lindo.
Podíamos ter andado na praia mais bela.
Ter cantado canções e se emocionado juntos.
Ter chorado sem vergonha de sorrir.
O mundo não foi injusto conosco,
apenas fez o que tinha que ser, e agora nós olhamos...
Sei que estamos olhando, a vida passando na nossa frente.
Tantas reclamações sem nexo, tantas duvidas a esclarecer.
Elas pairam no ar, vagando como nuvens.
Olho as nuvens... Lembro de você.
Vejo as estrelas e te vejo a brilhar.
Guiando-me a cada passo, cada caminho.
Tudo sabíamos, mas quase nada falávamos.
Por muito foi assim.
Você mergulhado no rio da sabedoria e eu...
Flutuando no mar dos sonhos.
Então a tempestade chegou arrastando tudo,
arrastou sentimentos e o que já havíamos construído.
Com ela vieram às malditas mágoas, os tormentos e as doenças.
Que enfim conseguiu nos derrubar.
E ao levantarmos, o chão havia sumido.
Tudo sumira, só restara à solidão.
Esta chegou singela e repentina.
Mas tomou-te até a ultima gota de alegria.
Adoeces-te e vives-te em meio a escuridão.
Sombras mesclavam-se nas paredes encardidas.
A noite sem fim, os dois assim.
Sozinhos e medrosos...
Medonhos sonhos, medonhas noites.
Assim pairava no ar a barreira obscura.
Por mais que os sussurros e sibilos tentassem,
apenas o silencio constrangedor pairava.
Mas a luz não demorou.
Chegou rápida, veloz.
Trazendo consigo a chama da paz.
O coro dos anjos.
Verdades desvendadas.
Suspiros, doces melancolias.
Mais nada, então...
O sol raiou novamente.
Raios fulgidos sagrados, sobrepondo-se as sombras.
Junto com ele a chuva, lavando as almas aflitas.
E por fim o arco-íris.
Moldando as preces, soltando os sentimentos.
Alegria finalmente?
Os pássaros cantavam em nossa homenagem,
círculos de borboletas emaranhados em nossas silhuetas.
Paz, compreensão, só.
É claro que chuvas vinham e voltavam,
estações voavam e tudo se transformava.
Tu agora és sábio,
sábio porque viveste.
Não viveste plenamente, apenas viveste.
Nem bem, nem mal.
Sofreste meu cravo.
Mas o que seria das rosas se os cravos não sofressem?
O que seriam?
Cravo tu vais agora?
Sabes que vai, não sofras.
Tu vais para o bem.
Vais para o amor, amor puro, amor de Deus.
Sofreremos também.
Mas tu mesmo disseste:
"O sofrimento é a maior escola que existe”
Sem ele seriamos meros seres estúpidos.
Estúpidos por sermos felizes.
Pois a felicidade tem de ser conquistada com...
Sofrimento.
Dedicado a um pai.