Um eu impenetrável
Caminhaste longos caminhos
Impossíveis de serem refeitos
E talvez amargaste duras
Horas entre o dia e a noite
No silêncio de teu ser
Agora internalizados
Para sempre, influenciando
O que pensas e o que sonhas,
Tuas esperanças e descrenças,
Para um lado ou para o outro,
Como um barco pequeno depois
De varar tempestades mortais
Chegando enfim a lugar nenhum...
O que foi feito de tudo,
O que foi feito dentro de ti?
És tu, tu mesmo?
Ou é outro o que sobrou,
Ou se somou ao que tu eras?
Eu não sei...
Ninguém sabe,
Porque saberiam
A não ser tu,
Com essas palavras,
Com todas as palavras e símbolos,
Incapazes de expressar
Tudo o que tu és?
Vamos amigo, o barco velho
Não suporta mais nenhuma viagem,
No entanto, é preciso reconhecer
Que a viagem, por mais longa
Que tenha sido até este momento,
Ainda está infinitamente longe
De chegar ao fim...
Se choramos, sim, se choramos
Ou rimos agora,
Com esperança ou não,
Céticos ou não
Injuriados ou injustiçados,
Doentes ou não,
Vai saber o que a vida fez de nós?
O que cada um fez de si mesmo
O que cada um fez de deu próprio barco,
Se o barco se espatifou durante a jornada
E ficamos à deriva nesse mar sempre revoltoso,
Se chegamos à alguma ilha,
Se ainda estamos sob raios e ondas
Dentro da noite ou do dia,
Cansados,
Extremamente cansados,
Com o pensamento sem norte
E sem sul,
Desbussolados,
Sabendo nadar ou não,
Eis-nos aqui
Onde quer que seja
Com um único pensar,
Parar,
Se entregar
Ou seguir,
Partir
Não para outro ou qualquer lugar,
Mas para um outro nós
Que talvez não se lembre do que aconteceu,
Nem dos caminhos secos e solitários,
Ou dos passos vacilantes, medrosos
Sob a chuva poderosa com seus raios,
Seguindo sempre,
Ou deixando se levar
Até um outro nós...
Sim, daqui até um outro nós
Haverá de tudo,
Menos a possibilidade
De sermos o que um dia fomos,
O que somos agora,
O que seremos depois,
Não,
Nunca seremos nada
A não ser essa transformação constante,
Esse acúmulo, esse peso
Que puxa o barco para cá ou para lá,
Essa leveza de olhar mentalmente para si mesmo
E vislumbrar a trajetória impossível
De ser comunicada
A quem quer quer seja,
A nós mesmos,
E então um silêncio profundo
É que responde no interior de nossa alma,
"Segue, segue sempre, custe o que custar..."
Você sabe, é claro que sabe,
É impossível ao ser, ser,
Estar...
E então o dia amanhece
E te encontra, não a ti,
Mas ao que está sendo,
Está sendo, dentro da noite e do dia,
E naquelas horas onde não
É dia e nem noite,
Iguais a nós, que nem somos
E nem estamos, mas
Um fluido chamado eu que
Se esvai, e vem continuamente,
Ambos se acumulando
Formando uma expressão,
Mesmo escondida ou desfalcada
No claro ou no escuro,
Sob nosso face congelada,
Um eu impenetrável...