ANJO-POETA
Raimundo era um homem simples,
daqueles homens de fazimento
com nome de santo
que andarilhava pelo mundo
catando desperdícios em sacos de lixo.
Raimundo – que era filho do mundo –
tinha um trabalho invisivelmente nobre:
recolhia das lixeiras da sociedade
o entulho que a humanidade desprezava.
Catava entre as velhas caixas de papelão
– E nas sacolas jogadas ao chão –
todo o lirismo do romantismo de outrora,
os cantos não percebidos dos passarinhos,
a beleza do nascer do dia (da aurora),
a imagem de Cristo no crucifixo,
e as muitas virtudes de amizades perdidas
que se amontoavam no amor ferido [do agora]
das sarjetas – das tantas ruas imundas –
que Raimundo percorria durante o dia,
e das valas abertas que encontrava no caminho,
recolhia sempre com muito carinho,
o silêncio das palavras carinhosas não ditas
e o perfume das flores reboladas ao solo,
o respeito vilipendiado, a coragem menosprezada,
a humildade e a perseverança desdenhadas,
a tolerância e a fé preteridas,
as rosas que cintilavam o pôr do sol,
e as palavras proferidas pelos girassóis amigos:
palavras que nunca foram ditas ou notadas
nos caminhos que se percorre na vida.
Ao final do clarão de um dia de trabalho,
Raimundo levava tudo para um terreno baldio
e lá depositava em leiras tudo que recolhia.
Anos depois, Raimundo se foi...
Ele que não tinha nem beira, nem eira,
nem estudos, nem família...
Morreu sem deixar um legado!
Ledo engano!
Raimundo deixou um jardim plantado
– Um canteiro florido que muito amou –
foi ele um semeador
neste mundo louco em que se joga no lixo
a beleza da rosa-vida!