POR DETRÁS DAQUELA PORTA
POR DETRÁS DAQUELA PORTA
Te olho
E não mais percebo
Seu vulto irresistível
Sua invisível silhueta
Sua silhueta invisível
Que cruel escorre diariamente
Pelo vão da entrada.
Na contígua calçada
Minha fechadura
Te aguarda destravada
Minha maçaneta
Já não dorme
Esperando tão sofregamente
Pelo seu toque
Pela noite escura
Esgotei-me de tanto mapear
Todos os sons
Do oculto exterior
Do calado entorno
Na esperança de encontrar
No vazio dos tons
A sílaba que falta
Para, enfim, compor
a palavra Retorno
Mas no momento atual,
Ainda sou dono
Daquela que você deixara
Na última vez que cruzara
O inquietante umbral
Quando, então, me deixara
Amargo oráculo
Triste vocábulo:
O abandono.
Minha esperança
É escrava
Do sofrimento
E a palavra
É do coração
Que à noite
Resiste
Sob o açoite
Da resignação.
Eu não me entrego
Nem um só átomo
Não será o castigo
Nem esse látego
Ou outro inimigo
A me subjugar
Todos os dias
Recebo uma correspondência
Do teu silêncio
Haverá uma correspondência
Entre a tua ausência
E a minha penitência?
Minha alma arde
Doloroso incêndio
Que sorrateiro
E sem alarde
Vem por inteiro
Consumir meu sentimento
Macular meu imaginário
Mas como sou refratário
Debelo-o no pensamento
O que digam, não importa
Quero essa insanidade
Na minha escolta
O delírio é o melhor cuidador
Que desencanta, mas canta
E, principalmente acalanta
Toda a minha insofrível dor
Portanto, podem caçoar
O que digam, não importa
Eu visto minha armadura
Na sobriedade ou loucura
Hei de espera-la retornar
Por detrás daquela porta.
© Leonardo do Eirado Silva Gonçalves
Direitos reservados. Lei 9.610/98
04 de fevereiro de 2019