SÉCULO XXI

Eu vi estrelas cadentes

indignadas com tantos pedidos dementes.

Eu vi guerras insanas, intolerâncias desumanas,

que continuam a acampar por todo lado, como ciganas.

Eu vi anjos pelos escombros e ruas alarmantes,

chorando sob a sombra dos cogumelos gigantes.

Eu vi crianças num canto do planeta brincando,

e, num outro, escandalizadas e massacradas.

Eu vi mulheres livres em alguns países

e, em outros, violentadas e todas escravas.

Eu vi homens, das mais variadas cores e raças,

cometendo atrocidades até em inofensivas praças.

E vi outros tentando detê-los, lutando pela paz,

sacudidos pela misteriosa força dos ideais.

Eu vi a estupidez vulgar e deplorável,

a ausência de qualquer princípio consciente,

de qualquer desejo e sentido alado,

alimentando boa parte da juventude –

que quase já não voa nem é inocente.

Eu vi os que sentam nos tronos

e seus exércitos e políticos inclassificáveis,

servindo à covarde indignidade.

Gastos trilionários com armas e banalidades.

Quase nada com bem comum e solidariedade.

Eu vi a fome, a miséria, a opressão, a ganância,

o estigma, a crueldade, a ignorância,

espalhados por todas as terras e águas.

Educação caótica, palavras e valores deturpados,

História desconhecida ou distorcida,

mentiras aceitas, convencionadas e sacralizadas,

desigualdades naturalizadas e globalizadas,

gentes e povos viciados – quase inteiros –

em máfias, poder, competição, carnaval, futebol, dinheiro,

mercados selvagens, jogos eletrônicos homicidas e“maneiros”,

sexo sem nexo, cerveja, crack e seus companheiros

- e toda espécie de droga alienante...

Eu vi muitos dos que falam em nome de Deus,

tanto nas igrejas e religiões quanto fora delas,

completamente esquecidos do principal,

compactuando com tudo que dizem ser mal.

Habitados por mesquinharias, preconceitos, histerismos,

reticências, desconversas, meias palavras, chauvinismos,

invejas, insinceridades, desamores, sermões obtusos,

desconfianças, julgamentos velados, rejeições absurdas...

E poucos, muito poucos, realmente amando o Amor,

partilhando das dores da criatura e do/a Criador/a,

sonhando com o fim disso tudo, com o "religare”,

adorando em Espírito, Paz e Verdade.

Eu vi muitos filhos e filhas do pensamento e da arte,

protagonizando o ridículo espetáculo da inverdade,

do entediante sarcasmo, da leviana vulgaridade,

da narcísica egolatria, da cega vaidade...

E uma minoria – impressionante, genial, corajosa, coerente

- sendo diferente, nadando contra a corrente,

ousando criar obras genuínas, resplandecentes

da integridade mais lúcida e pura.

Eu vi o homem num foguete indo à lua,

espantado com o universo imenso e desconcertante,

mas teimando em não notar o Universo

muito mais espantoso que é um seu semelhante.

Eu vi o materialismo imperar vastamente,

embora a matéria seja passageira tão obviamente.

Eu vi gente que não acredita no Céu,

embora a Terra seja tão azul transcendente.

E que não acredita em Deus e em seu anel,

embora a Aliança e os milagres resistam valentes.

Eu vi milhares de pessoas vivendo

como se a morte não existisse,

e outras, como se a qualquer hora partissem.

Eu vi almas totalmente destruídas,

e outras, belamente construídas.

Eu vi que prefere a humanidade

acreditar em tudo, menos na verdade.

E assim chegou ao tal século XXI,

com mil novas tecnologias e, dentro de si, pouca novidade.

Eu vi que sou estrangeira onde nasci.

E vi que, apesar de tão dolorosa realidade,

a Esperança reina em mim mesmo nas tempestades,

e também naqueles que são minhas irmãs e irmãos,

dizendo-nos com força irresistível:

“Outros tempos virão!

Pois o Verbo não se encarnou nem venceu a morte

por todos vós, em vão!

E nem aqueles e aquelas que vieram antes de vós

e que deram pelo Amor, toda a sua vida e coração!"