Santa Face
Sob veste falsa, a virgem casta mente,
Com doce voz, envenena a alma da gente.
Chama-se pura, mas seu verbo é embuste,
Brinca com a fé, torce o que seduz e fuste.
Ela veste a face de anjo, mas dentro, é serpente,
Amor fingido, em corações entra rente.
Sob o manto santo, esconde o frio aço,
Que fere o peito, num golpe sem abraço.
A confiança, iludida, na trama engrossa,
Ó virgem falsa, que tua máscara endossa!
Como cera mole, tua face se desfigura,
E na escuridão, foge, deixando a dor que perdura.
Exalta-se ao mundo, como imaculada,
Mas, sob a pele limpa, há uma alma danada.
Assim morre a glória, assim perece o amor,
Enquanto reina a falsa virgem, no trono da dor.
Esta versão carrega a intensidade emocional e a linguagem carnal e introspectiva típicas de Augusto dos Anjos, acentuando o contraste entre a aparência de pureza e a realidade corrupta.