Orfeu e sua estátua
Vagueio perdido e esquecido
Na farsa que um dia fui.
Minha estátua cobre-se de pó.
As imagens que dei as pessoas
Se restavam apenas aos devaneios
De uma esperança que se esvaiu.
Não deixarei um legado digno
Nem uma lira posta ao passageiro.
Em frente à minha estátua, escondo meu
Rosto pela vergonha de ser, não ser.
A estátua estática me prende
Em um sonho que nunca viu a aurora.
Minha estátua não foi feita
Pelas minhas musas-ideias,
Mas fora feita nos olhos de esperança
Que tiveram sobre mim e minha lira.
Visto isso, olho para meu rosto
Em uma poça de lama.
Não enxergo mármore. Enxergo melancolia.
Meu reflexo demonstra um bufão
Ante o deus que a estátua revelava.
A imagem era um passado célebre
Que construiu os séculos e o mundo,
Mas o destino, esse argonauta do tempo,
Fez de mim o que quis: pôs abaixo
Minha aurora e deixou este crepúsculo –
Deixando assim, meu legado e meus sonhos
Renegados a um fardo que nunca carreguei