A unidade áurea de Orfeu
Canto IV
Estou dilacerado em meu leito.
O sono de minhas palavras
Ecoam nos infinitos descansos
Pela unidade áurea que perdi.
Não possuo mais culto,
Manifestas-teogonias e lira.
Não tenho o canto primeiro
Que nomeia as flores e as plantas
Da minha visão derradeira
Que enaltece os pilares do mundo.
Eu que cantei o primeiro verbo
E irei escutar a ressonância do último.
Eu que nomeei os louros,
Difundi-o dos ciprestes
E o confundi-o com espinhos.
Eu que sou poeta
Pela necessidade do canto,
Ao ponto, de nomear tudo
Em águas salgadas
Pelo tempo-destino.
Eu que no futuro-presente
Não fui encontrado ainda
Pelos que me enalteceram
E me nomearam como
O Primeiro poeta dos tempos.
Os poetas nomearam-me
Com suas doces águas
Em minha boca.
Lavando toda a salgada-palavra
Que minhas liras-vocais
Cantavam e declamavam.
Hermes Trismegisto
Forjou as letras como
Sangue do mundo.
Eu as tornei espírito
Das cousas do universo.
Eu doei tudo ao cadáver-universo.
Cantei-o por ser significante
Aos vermes-do-tempo.
O canto pode ser insignificante
Aos ouvidos sem plumas.
Aqueles que ouvem,
Entendem a carne-valor dos sons,
Pelas vozes da vida.
Não encontro sentido sem o canto.
Se os muitos que cantam,
Não colocarem em meus epitáfios
Algo que supra a vala de meu corpo,
Adianto-me, sublimemente,
Que sou além das poesias
Que escrevi e cantei.
Sou memória do mundo.
Sou persona das animálias.
Sou o criador do zodíaco.
A antonomásia de poeta
deve descrever-me,
Sem abusos ou absurdos.
Preferiria a pútrida-imortalidade
Sem resquícios de tudo que detenho.
A mortalidade-poética é algo
Que me faz além de Orfeu.
Faz-me esperança desesperada.
Torna-me milagres à morte
Que nos subjuga apenas a restos
De versos, carbonos e amoníacos.
Aprisionando-nos em destino.