Orfismo (forma de pintura derivada do cubismo)
Canto V
O meu sono é azul
Como o céu em meio
Ao dia dissoluto
Aos momentos de tormento.
O vermelho transborda
Absorvendo as calmarias,
Em meio as procelas
Da minha vida-mar,
Tocando, solenemente,
Dias que esqueci.
O preto das noites
Me embriaga.
Os ébrios-olhos
Olham além de versos.
Olham momentos
De amanhãs que
Desdobram-se
Em cotidiano.
Tudo o que fui,
Ressoa como vida,
Aos vermelhos momentos.
Os pretos dias cobrem-me
Como ânsia por algo perdido:
Pintando meus olhos de azul.
O vermelho rasteja em minha boca,
Revigorando meu sangue,
Lembrando de meu passado.
O vermelho é tomado pelo azul.
Dando roxas melancolias,
Abrindo meus olhos
Aos rios que tomam
A paisagem de meu coração.
Erguendo o sol e a lua
Em um dueto eterno nos animais
Que escutam minha lira.
Lira que torna minha
Eurídice-vida em musa morta
Pela própria vontade vermelha.
Domando os verdosos céus,
Em aléns de sóis,
Os transformando em hídrias
De sangues abaladas
Pelas histórias sem porvir.
As cores demonstram
Que o canto silenciou.
O mundo ensurdeceu-se.
A palavra mofou.
A esperança suicidou-se
Em tela julgada por Imagens
Que cingem o absurdo,
Como a morte
Em meu peito.
A tela de meus sonhos
Guarda vogais que
Nutrem páginas e molduras.
Jogando minhas subjetividades
Em uma tela de minha vida.
Sem resquício.
Sem fardo.
Apenas Orfeu acorrentado
Por cores de rapina.
Engolindo meu alento-fígado
De palavras que cantam o mundo.
Aprisionando-o em fixos momentos
Nas minhas telas de palavras
Finitas que corroem as figuras
Do concreto.
Tomando virtudes do abstrato.
Minha tela é uma catedral
Com minhas luas e sóis
Em um bacanal de cores.
Avassalando a ressonância.
Dando asas de Samotrácia
Ao meu maior pesar:
O olhar.
O meu olhar que tirou
Eurídice de meus braços.
Braços que comportavam
Os meus dermes-versos:
Cantando em prantos
As lágrimas de meus azuis.
Lágrimas que norteavam
Meus cantos-olhos às cores
Que pintavam a minha tela.
Dando a minha voz
Ao pincel do mundo:
Cantando o quadro-mundo.