Sonho e vertigem

A simpatia perdeu-se na carne fria,

E também na boca vazia.

Teu nome se entranha comigo,

Eu contigo...

Tudo que vive um dia se perde.

Em frente à minha janela, sonho e vertigem.

As perdas me afligem

E tudo se tem ido.

O sorriso, o gesto e a alma,

Enquanto abstrata.

Como pode o perfume esvair-se assim,

Sem sombra de mim?

O que circunda os meus braços,

O abraço, o espaço, o cansaço?

Nem o jeito de sorrir,

Nem o ir e vir,

Que é direito constitucional

Nem o traquejo nacional.

O churrasco, o vinho, o ninho

Tudo voa para longe, como pássaro migrante

Não agora, talvez adiante

A água corre, escorre

Enquanto o coração quase morre,

Se segue sozinho

Areia, chuva, vento

O amor empoeirado e lento.

Quantas noites numa noite

Estrelas, lua, a parede furada

Arco de pua,

Tanto céu e eu lambuzado de terra,

Atolado sem poder andar

Pés descalços no nada

Que nada vale

Nem as palavras que se misturam na garganta

De nada adianta, tossir letras

Varar a noite nascer o dia

Sem mim, sem fim

Uma brisa preguiçosa sopra depois

Nós dois, o coração já não se ouve.

Praticamente a mesma história de fantasmas.

O tempo mal resolvido

Cobre-se de lençol branco

Com dois buracos nos olhos.

O dia jorra todas as manhãs

E os amanhãs saem do cabide

Para ver a claridade

Mas, perco-me na confusão dos dias

Nas profusas manias

Nas noites escritas a giz

E tudo me diz

Que as coisas se perdem no tempo

Coisa alguma e tudo

Ou quase nada ou nada

Do tudo perfumado no passado,

Como essência de alma.

O sorriso, o gesto

Deviam ter cheiro de domingo.

Palavras, mentiras

Tudo em tiras discute caminhos.

O sol duro e cáustico, ferrugem

Silêncio imóvel, água quieta

O tempo me faz profeta

Atravessando o cheiro antigo

O atrás persigo.

Mas se a vida é pálida

Sem cor

Melhor mijar nos pés do amor.