CAPRICHO E FUGA EM SI MENOR PARA CRAVO SOLO SOBRE UM TEMA INFANTIL DE HEITOR VILLA-LOBOS, OP. 6 “O CONTRAPONTO DAS FLORES”


Ária: Adagio Cantabile (O Cravo e a Rosa: Coração Cravejado!).
 
A prata da lua reflete
Na prata da flauta ao tocar
Um solo triste em Largo,
Soprando um vento perfumado
De rosas que me faz pensar
No meu próprio velório, e à deriva
– náufrago de minha vida –
Navego em suas pétalas
Por ondas sonoras de infortúnio,
Mas o tempo drasticamente muda:
Presto Bruscamente Agitato!
 
Singro as ondas sonoras
Do mar de lágrimas, agora
Borrascoso como a reagir
À multidão de músicos insensíveis
Que com metais, madeiras e cordas
Ao meu coração agridem
Com violentos Movimentos sinfônicos;
Ou como a reagir ao Movimento
Mais agressivo e carregado
De conflitos da Eroica de Beethoven
Em um Allegro Vivace que em contradição
Me traz uma sensação de tristeza e morte!
 
E quando cessam as sinfonias,
Um piano solitário me atormenta
Ao martelar as cordas com violência,
Golpeando o fio da vida que me pertence
De forma agressiva e insistente!
 
Nele reconheço o familiar toque
Gélido e mortal dos longos
E finos dedos da Décima
Retesando-o muito além
Do ponto que sustenta a vida,
Divertindo-se ao pensar
Se a corda irá arrebentar
Durante a cruel afinação
Ou na derradeira e fatal martelada,
Como se de um jogo se tratasse!
 
A temível e obcecada Parca
– pela minha vida impaciente e ávida –
Não quer esperar que a funesta irmã
No tempo certo corte o curto fio,
Então ao máximo tem me afinado
Esperando me converter em finado!
 
Outra vez o tempo muda rapidamente
– no mar o tempo muda constantemente
e de forma imprevisível – e passo a navegar
Por ondas sonoras de melancólicos noturnos,
Abstração pura da dor em interminável Adagio!
 
Vejo o mar calmo e melancólico
Como a ouvir o Adagio ao luar
– o mar ama o compositor alemão
como ama as encantadoras fadistas,
e isso me traz a águas populares,
fazendo-me sair de águas eruditas!
 
Ouço o cancioneiro
Que canta meu fado,
Que canta meu choro,
E entre os versos da fadista
E os versos da chorona,
Ouço um choro que nada tem a ver
Com meu choro ou com nosso fado,
Então percebo a irritação do meu progênito
Ao ser pelo canto de Sono atormentado!
 
Deixo de ouvir o Fado e o Choro
E passo a embalar meu pequenino
Com canções infantis, e sem perceber
Passo a cantar sobre sacadas,
Desavenças entre cravos e rosas,
Corações feridos e pétalas ao solo
– tema popular infantil imortalizado
no piano do grande maestro carioca,
o que ao erudito me leva de volta!
 
É então que me lembro da Rosa
Que me deixou e das terríveis
Consequências dos seus caprichos;
Lembro-me dos cravos
Que trespassaram meu coração,
Deixando-o cravejado
De águas-marinhas qual joia exposta
Que não pode ou deve ser tocada;
Lembro-me da dor de um Cravo
Que não pode mais viver
Com seu rebento amado!
 
Pode parecer
Um tema adulto,
Mas é, sobretudo,
Um tema infantil quando há
Um infante envolvido,
Pois ressoarão esses acordes pesados
E dissonantes por toda a sua vida;
Será a música que o acompanhará para sempre,
Por isso passo a pensar
Nos caprichos das Parcas
E nos caprichos da Rosa,
Que além do Capricho para CRAVO,
Compôs também uma Fuga;
Obras agora tocadas in memoriam
Pelo Cravo cravista em seu cravo
– coração cravejado!
 
 
Capricho: Prestissimo Bruscamente Agitato (O Cravo e a Rosa: A Virtuose!).
 
Com o anjo infante ao colo,
Apertado contra o peito,
Marco o compasso
Com as batidas rápidas,
Fortes e ritmadas
Do meu coração ferido
– por cravos perfurado – 
E ofegante ao lembrar o tratamento
De sua agressora e seus caprichos!
 
Sinto seus cravos fazendo as vezes
Dos plectros de pena de corvo
– essa ave me lembra a Morta –
Ao fisgar as cordas,
Tocando o fio da vida que me pertence
– gosta a Décima de tocar
cruéis improvisos nele!
 
Sempre que alguém toca a ferida,
Sempre que alguém toca um dos cravos,
Tecla uma nota de dor que sangra
E que ainda me levará a uma nota
No obituário da cidade,
E com tantos cravos a produzir dores
De alturas e intensidades tão variadas,
Sinto o sofrimento em completas escalas,
Dando o tom triste da minha vida!
 
Sendo a Rosa virtuose na execução
De corações e na sádica execução
De Réquiens para seus funerais,
Tornou-se uma especialista em causar
Dor e sofrimento, em destruir lares,
E passou a compor melodias violentas,
Fúnebres e tristes para tocar em nosso lar!
 
Com seus caprichos converteu
Meu coração no instrumento musical
Onde compôs um Capricho em semifusas,
Tocando-o de forma precipitada,
Imprudente e inconsequente,
Tocando-o de forma muito rápida
Para exibir todo seu virtuosismo ao cravo,
E quando percebi, já havia terminado
A composição e execução da peça
– a execução do meu coração!
 
Agora, ao embalar meu filho
Cantando a tradicional versão
Da popular e infantil canção,
Não me identifico com o Cravo
Ali cantado e não a vejo
Como a Rosa ali vitimada;
A versão verdadeira dos fatos
Cantarolo no mórbido silêncio
Do meu coração,
Que descansa em paz
No féretro do meu peito:
 
“A Rosa brigou com o Cravo
No jardim abandonado;
A Rosa saiu sorrindo
E o Cravo despedaçado!”
 
Uma lástima que a versão
Verdadeira dos dolorosos fatos
Tenha versos tão pobres
Que em crueldade sejam ricos,
Mas esses são os versos que rimam
Com as obras compostas
Para o coração do Cravo;
E esses são os versos que rimam
Com os caprichos da Rosa,
Tão bem tocados ao cravo
Nesse grande Capricho em Si Menor!
 
Como cravista, toco insistentemente
Esse Capricho em meu cravo-coração
De forma inconformada e desesperada,
Lembrando sua partitura constantemente,
Interpretando a obra com notas agressivas
E acordes confusos, dissonantes, enlouquecidos
– duramente fisgados pelos plectros do corvo da Morte!
 
Mudo o semblante,
As Marcas de Expressão
E perco o compasso, o ritmo,
O andamento e a razão
Em uma terrível e insana
Interpretação de pura paixão!
 
 
Fuga: Largo Assai (O Cravo e a Rosa: A Última Pétala/Funerais).
 
De negação em negação,
Tento fugir da dor no desabafo
Silencioso do coração que discorda
Da canção infantil cantada à moda
Tradicional pelos lábios para preservar
O coração de um infante que foge
Dos problemas dos imprudentes adultos
Em sua inocência e na tranquilidade de Sono:
 
“Não, não foi assim;
A Rosa foi quem brigou com o Cravo!
Não, não foi embaixo de uma sacada;
Foi no jardim onde o Cravo cultivava
A Rosa e o amor! Não, não foi assim;
Foi o Cravo quem saiu ferido e despedaçado!
E quando o Cravo ficava doente
A Rosa não o visitava, indiferente,
Pois com seu sofrimento não se importava
– na verdade, adorava lhe causar dor –
E lágrimas jamais derramou
Ao ver a rubra seiva
Que manchava o Cravo,
Pois foi ela mesma
Quem a derramou!”
 
A Rosa brigou com o Cravo,
Despedaçou-o e tranquilamente
Saiu em fuga – deixou-o plantado
em seu jardim abandonado!
 
Essa foi a Fuga
Que ela compôs inspirada
Pelo Capricho que acabara de tocar,
E então continuou dedilhando
A desdita no cravo-coração do Cravo,
Fazendo-o sangrar terrivelmente
A cada nota tocada insensivelmente!
 
Ao terminar a Fuga,
Tocou melodias e acordes
De sofrimentos em tonalidades variadas,
Animada pela fuga do jardim
E de suas responsabilidades;
E com grande júbilo improvisou
Uma insensível Marcha Fúnebre
Em Allegro Scherzando Animato
E depois em Allegro Vivace,
Como se não bastasse
Ter brincado de “bem-me-quer,
Mal-me-quer” com o Cravo!
 
“Bem-me-quer, mal-me-quer?
Bem-me-quer, mal-me-quer?
Bem-me-quer, mal-me-quer?”
 
Uma a uma arrancava
Minhas pétalas amarrotadas,
Indiferente à minha dor
E à seiva que escorria
– nem meus gritos de agonia
foram capazes de abafar
seus versos ledos e sádicos!
 
Arrancava-as com crueldade
E de forma inconsequente,
Sentindo-se já despida
De compromisso e responsabilidade;
E quando apenas uma pétala restava,
Ignorou o “bem-me-quer”,
Pois já não me queria mais,
E me lançou ao solo, mutilado!
 
Agora eu mesmo
Arranco a última pétala,
Pois já não quero
A Rosa e seus espinhos!
 
Dói e sangra,
Mas preciso esquecê-la
E não mais verter
Lágrimas de sangue como seiva,
Pois vejo minha vida
Se esvaindo e murchando
Por uma flor que não merece
Ser plantada no solo do peito!
 
Mas pior que todas as pétalas arrancadas,
Foi sentir meu rebento ser arrancado
De mim com tanta violência,
E por mais que cicatrizem
As feridas das pétalas mutiladas
(ou até nasçam novas),
Jamais fechará a ferida
Deixada pelo broto que crescia
Junto ao coração florido
– ainda escorre abundante seiva,
pois não o verei se desenvolver,
desabrochar e abrir, florescer!
 
Após a fuga da Rosa,
Restou-me apenas
Sua Fuga em Si Menor,
Com suas notas iniciais graves
E depois longas pausas até o final,
Composta e tocada por ela
De forma rápida e descuidada,
Esquecendo-se do andamento
Muito lento, quase Grave
Deixando-me até hoje
Sem sua interpretação,
Com suas pausas intermináveis
Que marcam sua longa ausência
– ao que parece, tudo foi sempre
uma enganadora interpretação!
 
Como cravista, toco essa Fuga
Em meu magoado cravo-coração
– despedaçado, desafinado
e mal temperado ou sem tempero –
De forma mecânica e técnica,
Sem sentimento; toco-a sem paixão,
Pois perdi minha rosácea inspiração!
 
Toco-a como um autômato,
Apenas seguindo a partitura
Na esperança de chegar ao fim da música,
Para que as pausas e ausências cessem;
Para que meu sofrimento termine;
Para que eu finalmente esqueça
Da Rosa com seus caprichos;
Para que eu finalmente esqueça
Das consequências de sua fuga!
 
Hoje tento não tocar a Fuga,
Mas acabo tocando algumas
Melodias melancólicas!
 
Conseguirei voltar a tocar
Os tocantes temas do Romantismo?
Somente para outra flor!
 
O Cravo encontrará
Novamente a felicidade?
Somente se esquecer a Rosa
E alimentar o amor na flor correta,
Para cultivá-la no solo do coração!
 
O Cravo e a Rosa
Viveram sempre em contraponto,
E para o Cravo isso resultava
Em uma harmonia e beleza
Únicas à vida, mas as melodias
Passaram a se distanciar muito
E a se tornar muito diferentes,
Perdendo a harmonia e criando
Muitos acordes dissonantes
– enquanto ele tocava melodias
alegres, animadas e vivas,
buscando harmonia,
ela tocava melodias
melancólicas, fúnebres e violentas
fora de compasso,
buscando dissonância
e prejudicando o ritmo!
 
O Cravo sempre gostou
De obras contrapontísticas,
Mas depois desse trauma
Prefere uma flor que toque
Em uníssono as melodias,
A quatro mãos criando harmonia!
 
Ele sente o perfume
Da flor Amarílis e a vê
Fora de um jardim,
Presa em um vaso
Solitário de cristal,
À espera do jardineiro
Que a plante com amor!
 
Ele vê com esperança
As pétalas arrancadas
Dançarem murchas
O Réquiem ao vento,
Levadas para o infinito
Da eternidade de um amor
Que morreu e ficou no passado,
Eternizado por duas peças
Para CRAVO solo e sepultado
Por uma insensível
Marcha Fúnebre de improviso!
 
Ele inverterá tudo e tocará
A mesma Marcha Fúnebre
No funeral da cruel Rosa,
E o adornará com flores de Amarílis
– a flor mais pura e virtuosa!
 
Ele sente seu doce perfume
No vento lírio que sopra;
Ele ouve seu doce e lírico canto
– Prelúdio do amor que aflora!

 

Julia Lopez

01/05/2013
 
 
Montagem: edições e recortes de Papéis de Parede da internet



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Julia Lopez
Enviado por Julia Lopez em 02/05/2013
Reeditado em 10/01/2024
Código do texto: T4269958
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