DESENCONTRO DE POETA


Coisa chata se escrever poema
Quando a inspiração nos proíbe de fazê-lo...

Já me vejo qual operário
De calça rasgada no “fi-ó-fó”
E de enxada na mão,
Mas os roncos de minha barriga,
O “chororô” e os “botecões” de olhos
Da meninada na mesa velha e vazia,
Não me deixam escrever coisa alguma:
A concentração não permite barulho
Nem consciência doída.

Já me vejo qual profeta,
Metido em vinte metros de pano
E numa barba sem fim que nunca tive,
Mas as minhas profecias
De nada mais servem
Do que para amaldiçoar os homens.
Sinto então tanto nojo de mim mesmo,
Do homem que sou, que, de trêmulo,
Não me finco a caneta por entre
Os dedos apodrecidos.

Já na máquina do tempo
Viajo à época de criança,
Mas a imagem do que fui sem ter sido
É como forte martelada
No que sou sem ser.
Aciono-lhe o botão de retorno,
E ante o ontem e o hoje,
Ante o pó e o homem,
Perco-me no calendário do amanhã,
Quando agora já nem cuido
O que mais procuro:
Se o poeta ou a poesia.

Neste momento (é sempre assim),
Alguém me avisa que vou chegar
Atrasado ao emprego,
Receber tremenda bronca do patrão,
Que talvez nem goste de versos.


Apressadamente abandono tudo.
Adio-me o poema mais uma vez
(Só mais esta) para o amanhã,
Quando é certo que me sentirei
Sendo, existindo, presente...

Eta coisinha chata se escrever poema
Quando a inspiração nos foge!
Mas amanhã sei que ainda o escreverei,
Vocês vão ver!
Fá-lo-ei tão cedinho
Que o próprio garoto que sempre
Me vem deixar o “Diário da Manhã”
Há-de me sentir que dormiu no ponto.

Amanhã, prometo a vocês... amanhã...
Aécio Cavalcante
Enviado por Aécio Cavalcante em 06/02/2007
Código do texto: T371963