PERDA CONSTANTE

Já comecei perdendo
Desde a concepção
Primeiro o calor do ventre
Antes da formação
Depois o colo materno
Sem nenhuma explicação
Minha cama tão macia
Minha roda, meu pião
O quintal, o vizinho amigo
Meu passarinho, meu cão
A primeira namorada
A tia de estimação
A minha avó portuguesa
Pela qual tinha paixão
A madrinha que ao me ver
Desmaiava de emoção
A prima, linda morena
Que era o maior avião
O meu avô marceneiro
Que amava a profissão
Minha independência, e a saúde
Meus sonhos, versos, canção
Meus medos, receios, fantasmas
A minha superstição
A mulher tão ocupada
Que não me dava atenção
A casa, os móveis, a louça
A aparelhagem de som
Minha própria identidade
Os filhos, a religião
O amigo confidente
Que cansou do meu refrão
O humor, os companheiros
O amor e o tesão
Fiquei sem poder, sem dinheiro
Perdi toda a ambição
E agora não sei mais quem sou
Se existo ... ou se não



Março/94

 
Wilson Pereira
Enviado por Wilson Pereira em 16/04/2012
Código do texto: T3616214