Até o transcurso dos seres
Nesta noite em que saí para caminhar
Pelas ruas dessa cidade tão desiludida,
Nesta noite em que não consegui dormir
Porque meu coração se coloca apertado,
Eu ando por essas ruas maravilhosas
A sentir o leve bater do vento no rosto,
E a respirar esse ar frio, essas essências
Diluídas na noite de uma cidade pequena...
Sim, vou andar mais um pouco sob essas
Estrelas de existência duvidosa, distantes,
Enquanto desafoga um pouco meu peito
Que incomoda, força-me andar abalo bruno.
Entre esses silêncios e pequenos escuros
Eu me sinto quase aconchegado. No seio
Dessa noite, aqui nessa cidade distante,
Nesse momento em que penso na razão
Que me faz andar mais e mais lentamente,
E imagino as pessoas que estão dormindo
Em suas casas pobres e desoladas, a afligir
A minha visão, essas pessoas maravilhosas,
Cheias de alegrias e frescor, amanhã vão
Acordar e seguir no curso de suas vidas,
De suas belas vidas de sonhos e de lutas,
Essas pessoas dormem Felizes...
Elas dormem como se estivessem mortas...
Passa ao longe um carro e eu fico pensado
Para onde ele vai... fico pensando de onde
Vem, e se seu condutor também anda na
Na noite pelo mesmo motivo que eu...
Apenas mais veloz, a ouvir o ronco do motor
Enquanto ouço apenas o leve bater
De meus passos a ritmar minha caminhada...
Eu vou devagar, não tenho pressa, não
Quero chegar, apenas sair para desafogar
Um pouco meu peito que me incomoda
E me faz pensar... O que andei fazendo?
A cama onde durmo fica num quarto
De uma casa, de um lugar que não quero...
Eu não quero mais acordar e saí andando
Pela rua a espantar as poucas aves noturnas
Que ainda tem nessa cidade pequena,
Cujas ruas estão me tragando de forma
Monótona sem que eu não apresente reação,
Apenas me deixo levar tranquilamente
Sob o sereno dessa cidade que não conheço,
Que não quero conhecer, não quero mais...
Talvez eu esteja dormindo e isso seja um sonho
Talvez eu tenha dormido, mesmo com o
Peito afogado, e tenha sonhado, e isto agora
Seja um sonho... Apenas minha alma a refletir
Sob aquelas estrelas de existências duvidosas...
Acho que me vou, vou seguir o curso do rio,
Esse rio maravilhoso, de caudaloso curso,
Talvez me indique o caminho, um destino
A ser seguido nessa noite fria sob o céu
Dessa cidade desconhecida do mundo... E eu,
Que não conheço essa cidade, nem essa rua
Em que desço, sou mais desconhecido do
Que o mais desconhecido dos desconhecidos
Do mundo... Será que sou solitário e não sei?
Será que sou mofino e não sei? Será que aqueles
Poemas que abomino são, na verdade, os
Que eu mais admiro? Será que todas as vezes
Que falei sobre o amor foram revelações
De que não tenho amor, inclusive agora?
Não, eu sou absoluto, pura resignação, não
Ando manchando camisas de amigos ou
Esmolando um minuto de atenção, não,
Não, eu tenho suportado bem, aprendi a
Ser silencioso e, na hora da dor, tenho tragado
O amargor e mantido bem os traços do meu
Rosto... Eu não vou mais escrever essas
Porcarias! Agora me ocorre que podem dizer
A outrem que sou uma alma fraca, e isso
Eu não sou.... Eu sempre estive sozinho
E nunca reclamei de nada, não faço visitas,
Nem vou ao bar ouvir piadas de fracassados
Da vida... Não... Será que sou tudo isso
Que tenho negado que sou? Será que isso,
Isso aqui, essa coisa de andar dentro da
Madrugada sem saber se sou eu mesmo,
Ou apenas minha alma a respirar o frio
Ar com cheiro de cidade pequena, numa
Noite que penso ter o coração sufocado,
É um sinal de minha fraqueza? Será que
Sou um daqueles fracassados que ficam
No barzinho ouvindo piadas a querer sorrir?
(Aqui já deviam ter feito uma ponte...)
Talvez me animasse a seguir pelo Tocantins...
E ir mais longe, mais longe do que minha alma
Pode chegar... Agora que sinto o cheio do
Mercado de peixes aqui na Beira-rio, lembro
Que é possível que seja eu mesmo que por
Aqui caminha ao dia quase amanhecendo,
A admirar o negrume dessas águas calmas
Desse rio largo, onde se dilui o esquecimento...
Se eu entrar nessas águas calorosas e ir
Um pouco para o meio? Sim, porque talvez
Eu esteja dormindo e isso tudo é apenas
Um sonho, talvez esse rio seja meu subconsciente,
E nele talvez esteja a chave para meu entendimento
Como dizem uns esclarecidos estudiosos do assunto,
Talvez nessa noite dessa cidade pequena, nesse dia
Da semana que não sei, o meu coração tenha batido
Assim, nesse ritmo desarmônico, a indicar que eu
Caminhasse pelas ruas alargadas da cidade silenciosa,
E chegasse até aqui a perceber o motivo do meu
Incômodo, da minha falta de sono ou do meu
Sonho indefinido dentro dessa hora obscura em
Que não sei o que penso... Sim, vou entrar nesse
Rio... E procurar-me em suas profundezas escuras...
Quem sabe eu esteja ai dentro, quem sabe eu não
Seja esse rio que tanto pede que me jogue nele,
Num gesto de unir partes separadas do mesmo
Ser vivente que agora não sabe se dorme ou se
Sonha ou se... Sim, leva-me em tuas águas, na
Maciez do teu descer, a acarinhar-me e envolver-me
Até o transcurso dos seres!... Quem sabe pela
Manhã eu não tenha me achado? Talvez no
Meu próximo acordar eu já não sinta mais essa dor,
Essa dor que repercute em cada molécula do meu
Ser, quem sabe quando acordar não esteja à
Minha espera alguns amigo para me levar
Até suas casas, e me convidarem para almoçar...
Sim, que seja assim, na cidade, na noite, no rio,
No rio a levar para sempre meu esquecimento...