Minha lápide esquecida
Hei de um dia encontrar a eternidade
Pois o tempo dilacera o coração
Que sofre em tempos tortos em saudade,
Mesmo a vida seja ainda prorrogada
Até que, enfim, padeça pálida, então.
Neste dia um cortejo frio e triste
Como tantos já se foram e enfim passaram
Servirá de um consolo aos que ficaram
A lembrança de uma vida em si sofrida
E o pranto numa noite enlutada.
Pausarei então na lápide da vida
Que, marmórea, brindará com o relento
Tal momento em completa solidão,
E a imagem que o lamento faz presença
Será, junto ao tempo, esquecida.
Recordarão minha família e amigos
Do poeta que curava as feridas
Nesta carne onde hoje se habita,
E na alma de quem sofre e angustia
Estas dores que serão então saradas.
Sei no tempo cairei no esquecimento
Como todos que se lembram em memória
Pelos poucos recordados na história
Estarei, mesmo não queira 'inda em vida
Noutra lista dos homens amassada.
Hoje vivo remoendo meu passado
E em cada antepassado sua luta
Terminando esquecido na moldura
Amarelada, enferrujada pelo tempo,
Sem ao menos o nome reconhecido.
Lembrar-se-ão deste simples caminheiro
Da vida, ao construir o seu caminho,
Ou vez em quando em sua genealogia
Um símbolo relembrar o meu lamento
Ser mais um na geração abandonada?
Virá a chuva e apagará cada inscrição
Que tentará resumir o meu legado
E o passado, apagado, seria então
Cada letra que tentou o seu intento
E o momento de um triste passamento.
A vida, enfim, se esvai e não demora
Mesmo dure muito tempo ou agora
Mesmo sabendo que serei reconhecido
Como sóbrio, sério e firme, embriagado
Como louco que tentou mais do que pôde.
E na loucura e heroísmo enfim sucumbem
Toda honra e falsa glória acumuladas
E na lápide dos restos de dar dó
Não estarei a não ser matéria inerte
Enterrados, cremados, pó ao pó.
Mas que fique um esforço derradeiro
Que, em vida, se tentou o impossível
Lutando uma batalha desigual
Enfrentando cada dia seu leão
Perecendo para o juizo final.
Que os céus então saibam que seu filho
Que outrora caminhara cada dia
Triste, calado, em sua melancolia
Irá, co'as flores secas no sepulcro,
Em vida eterna descansar em calmaria.