Quem Sou Eu?

Dia cinza com este aspecto nublado,

Tempo silencioso, parecendo paralisado,

Natureza morta por uma estática que imponho e constato,

Ar gélido que provoca calafrio a cada passo.

A idade que tenho me foi atribuída,

Faço parte de uma estatística numérica de ordem social,

Os signos me tornam uma forma diluída,

Jamais tratarão do conteúdo, muito além da estética superficial.

Meu universo é amplo demais para ser contido,

Ao mesmo tempo limítrofe em sua universalidade,

Encerrado no próprio sentido, previsto enquanto infinito,

Uma ausência presente que tentam adequar a uma textualidade.

As palavras descrevem-me em abstração semiótica,

Desejam mesmo estruturar-me feito construção,

Ou quem sabe uma ilusão dialética, alguns preferem esta ótica,

Mas sou múltiplo e fracionado demais para tal especulação.

Minha ação resvala-se por uma materialidade além do que percebo,

Manifesto em uma pluralidade telúrica impensada,

Mesmo cogitando estar no mundo como fração de algo coeso,

Apresento um resquício imaginativo de simulação representada.

Contemplando o céu noturno, os pontos luminosos de estrelas,

Última imagem de um astro que se foi e repercute seu fim pelo cosmo,

Embora me identifique mais com a penumbra das incertezas,

A eterna queda em um abismo sem fundo, realidade aberta que me precipito e jogo.

Na alteridade detecto o quanto sou contingente,

No outro tenho duas noções: até onde vou e onde posso ir a partir de si,

Reminescências de um sujeito desmemoriado constantemente,

Último regato que serve-me de jazigo em um ir sem vir.

Lábios ressequidos pela atmosfera gelada,

A pele desprende-se e chega a provocar sangramento,

Pareço diluir de forma fragmentada,

Até a desintregação total que será marcada por um sepultamento.

Criança eu fui em dado momento,

Me impuseram rupturas, me renegaram este bálsamo,

Agora, dito adulto, mais próximo do aniquilamento,

Se tento resgatar a infância, meus motivos são vistos como falsos.

Quem decide o que, a partir de quando e quem?

Porque sou passivo dos ditames que não compreendo?

Algum dia compreenderei algo de fato, ou agirei por desdém?

Tenho a impossibilidade por último provimento.

Trágido andarilho explorando com cinismo as incertezas,

Verme corroendo os descaminhos do abstrato,

No futuro terá seu corpo corroído pelos vermes factuais, pura gula da natureza,

Não do pó ao pó, mas da voracidade à voracidade, assim me acabo.

Na mente crio os labirintos que serpenteiam e me engolem,

Não encontro a saída por ser multidimensional,

Perdição inventada, não se perde o que nunca foi, não há quem ignore,

Mesmo não tendo sido, sou um não-sido fenomenologicamente racional.

Virado ao avesso, teria a forma como conteúdo,

Duas faces da mesma moeda diriam,

Sou bidimensional na forma e tridimensional num sentido profundo,

Criador e criatura, duas personalidades que se conflitam.

Observando a queda tenho a impressão de algo íngreme,

Mas mudando a direção do olhar o objeto ocupa outro plano físico,

Fechando meus olhos os planos em um instante se comprimem,

Subvertendo a sensação que a percepção ótica havia me conferido.

Existe também a sensação de ter,

Aquela vontade em possuir o que há,

Como se possível fosse algo conter,

Possibilitando apropriar-se de um inteiro e dominar.

Caminhar no vazio é um não-caminhar,

Os pés buscam o asilo do solo inexistente,

Mas flutuamos por entre hiatos sem tocar,

Inertes pela falta de contato físico que impele o mover da gente.

Um bocejo trivial anseia engolir o vazio,

Mas somos contaminados pelo nada ao engoli-lo,

Preenche-nos por inteiro e tenta nos sufocar por fastio,

Parasitando sem percebermos que somos hospedeiro doentio.

Paralíticos ludibriados por movimentos inventados,

A realidade move-se ao nosso redor e por isso pensamos mover também,

Mas estamos melancolicamente fossilizados,

Sofrendo a ação do tempo, deteriorando por prestação, agindo no corpo feito líquen.

Adentramos na vida sem pedir licença,

Mas ela nos convida a se retirar,

Algumas vezes gentil, elegantemente faz esvair nossa presença,

Noutras, com arroubo, pretende nos expulsar.

A razão do surgimento, a causa, é indiferente,

O processo que me desenrolo, mesmo que seja por fraqueza,

Esse é o meu propósito, ainda que eu seja negligente,

O final será resultado do acaso, que rolem os dados e eu desapereça.