O sonho sonhado pelo sonho
Tenho tentado não esquecer
Que você é apenas um sonho
E como tal é de impossível viver
Mas é real que se o é,
É antanho também
O sinto, e sempre veio vindo comigo
Desde que numa noite chuvosa
Olhos como os meus e os seus
Viram a mim neste mundo nascer
Sabe, tenho tentado me convencer
Dos princípios basilares que me sustentam
Aquela linha tênue, muito frágil
Que separa a sanidade do enlouquecimento
Isto é, não interferir com mãos materiais
No mundo onírico, distante e perto
Dois mundos, duas coisas controversas
Que se digladiam sempre no meu pensamento
Se considero o sonho como o que considero
Não posso desejar materializá-lo
Posto que sonho é sempre sonho
Realizá-lo, é cometer o crime de matá-lo
Se levo em conta que o desejo
É uma força bruta, não cristalizada
Como posso então desejar algo
Como se do etéreo quisesse modelar
Em matéria mas densa que o chumbo
Ou o mármore
O que só existe por que quis que existisse
E apenas em mim?
Tenho tentado não esquecer
Que você
É apenas um sonho
Uma visão que me ocorreu em sono profundo
Que o mundo, este mundo escombroso,
Que há e é dentro de mim
Pode ser consertado
Reorganizado
Como se houvesse esperança
(uma voz ao ouvido do moribundo...
"você vai viver...")
De que essa dor que montou em mim
Pudesse talvez não ter um fim,
Mas em fim encontrasse
A fonte, que milagre!, De sua natureza oposta
E a dor com a antidor
Num encontro constante
Não mais existissem momentaneamente
O que me permitiria respirar mais profundamente
E te ver muito mais claramente
Com esses olhos já cansados
Que não percebem a vida comumente
E deitar-me em qualquer lugar
Agradecido de haver-te encontrado
E dormir ali, muito profundamente,
E sonhasse que te encontrasse
Como tenho dito até agora
E isso se repetisse eternamente...
Ah, tenho tentado não esquecer
De que
Apenas um sonho é o que é você...