MEMÓROAS DE UM LENHO SECO

De Thiago Alves

Já fui semente jogada

Já fui raiz, caule e folha.

Árvore frondosa de escolha

Depois fui copa podada.

Mais tarde tora cerrada

Já fui cunha no entalho

Já servi de assoalho

Fui portão, porta e portada.

Já fui teto e fui latada

Já fui caatinga e cerrado

Já fui pontilhão na estrada.

Já fui um marco no prado

Já fui o ferrão de gado

Fui roda em carro de boi

Fui ontem e o que já se foi

Fui o cabo do machado.

Fui moleta de aleijado

Bengala e perna de pau

Fui curre-mão, fui degrau.

Fui forquilha de estrado.

Fui cabide pendurado

Fui guarda roupa e armário

Fui gaiola de canário

Fui estaca de cercado.

Fui cédula e papel bordado

Fui livro, lápis e caderno.

Fui carteira e banco alterno

Na Escola do Estado

Na mão de um graduado

Já fui régua e palmatória

Já fui o tronco na história

Já fui tese em doutorado.

Já fui barco naufragado

Fui remo, proa e convés.

Já desci a muitos pés

Já fui patamar de escada

Fui descanso de jornada

Já fui fogueira, pra luz.

Mas nada disso faz jus

Pra árvore ser derrubada.

Já fui a folha rasgada

Pelo erro cometido

Já fui o bilhete lido

Depois do recado dado

Já fui lenço perfumado

Já sequei lágrimas no rosto

Já fui a face do exposto

Da mensagem ao ser amado.

Fui martelo levantado

Pelo braço da justiça

Fui os olhos da cobiça

Mas também já fui cajado

Mas em todo o meu passado

O que mais me comoveu

De tudo o que mais doeu

Foi quando eu fui uma Cruz

E cravaram a Cristo Jesus

No dia que Ele morreu.

A Arte de Thiago Alves
Enviado por A Arte de Thiago Alves em 27/07/2015
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