Um retrato na parede
 
 
Esta foto que você vê nesta parede, fora de um poeta que ainda está a sonhar.
Pois espaço à vigília, muita vez, não cedeu.  
Por um fugaz e primeiro instante, que a um segundo, não deu o seu lugar,
Esta foto não ganhou vida, quando um ente vivo a concebeu... 
 
Este retrato é autêntico e recente, pois não houve quem o retocasse,
Se se desse esse feito diferente, melhorá-lo, possível não seria,
Ainda que para tanto, um hábil artista alguém convocasse.
Logo, que fique esta foto aqui, sem nenhuma avaria.
 
E ele, o poeta, onde estará, se ainda há sonhos a urdir?
— No passado não ficou, pois esse, já não mais existe;
E ainda não alcançou o porvir, que está por vir;
Logo, se encontra no fugidio presente.
 
Que não nos iludem os retratos, pois neles, contido, não está um real ente!
Para atá-los ao presente, com vidros e caixilhos, possível não é também.
Assim, com bons olhos, não há quem veja uma foto com o seu olhar ausente,
Para deixar de ver que o instante de agora, já está no além;
E ainda, haverá de perceber, que no papel, em uma fração de tempo tangente,
Usando a sua própria imagem, para não mais retornar, esquivou-se alguém.
 
Que prodígio desejam fazer os retratos? 
Querem dar vida à natureza morta que sob o alfanje da Morte já pereceu?
Não percebe que tudo representado pelas fotos,
No passado, se esse houvesse, se perdeu.
 
O tempo diante das câmaras logo se esvaí ao vento.
Tão diminuto é ele, que para retratar a vida,
Nada mais tem a oferecer, além de um fugaz momento,
Pois tão logo a fixa no papel, já estará perdida,
Antes mesmo que se apague a luz do flash que lhe deu algum alento.
 
Ainda que sejam os retratos muito atraentes,
Que os caixilhos que a eles dão amparo,
Caiam para sempre em desuso, ainda que sejam eficientes;
E que em seu lugar, fique uma simples moldura, a receber algum reparo;
Pois com frequência, as velhas fotos devem ceder o seu lugar às recentes.
 
Se assim fosse, de velhas às novas, a dinâmica inversa da vida nasceria.
Com efeito, essa ininterrupta e invertida causa,
À pessoa retratada, um constrangimento contínuo causaria,
Vendo que a brisa do tempo, que a ela, não escusa,
Deixaria na foto mais nova, mais velha a sua marca, que jamais falharia...
 
Logo, por ser recente este retrato, vê-lo renovado, há quem está a desejar,
Mas, a cada vez substituído, melhor não ficaria,
Uma vez que, pior haveria de ficar,
Pois, mais envelhecido tornar-se-ia.
Esse é o tempo que não se move a rogos, tudo corrói, e de tudo está a zombar,
Ainda que atenta, a viva matriz das imagens fique, livre dele, não estaria...
 
Finalmente, um alento há de ter o poeta a lhe inspirar,
Pois na esperança que o tempo, a ele dê ouvido —
Se é que, vez ou outra, às letras, ele possa se inclinar — 
Há de tentar convencê-lo, de que um ou outro texto seu, ainda florido,
Livre de suas garras, por algum tempo, haverá de ficar.

















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Eugene Garrett
Enviado por Eugene Garrett em 10/01/2020
Reeditado em 10/01/2020
Código do texto: T6838511
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