Sou octogenário, logo, conto inúmeros dias vividos; vívidos não foram todos... A ser assim, bem distante de mim, já vai a idade que a vaidade corrompeu... Portanto, por tanto tempo que estou a viver, ainda que na escritura da vida, em meu nome há algum haver, a ver com os dias atuais não tenho quase nada, ou até menos...
Se outro tanto daqueles dias desejasse viver, ainda que tivesse disposição para fazê-lo, zelo e tempo para alcançar tal intento, faltar-me-iam; e mais, se no meu distante passado já ficou grande parte da minha vida, ainda que eu tenha tempo disponível para esquadrinhá-lo, para mim, ele já não está a pesar... Apesar dessa realidade imposta pelo pretérito, ela não haverá de me incomodar, pois desistir de existir não desejo, uma vez que por inúmeras vezes, ainda hei de estender minhas mãos ao bem, não obstante, receio que vez ou outra, sem o desejar, com elas alcancei o mal...
Tão logo dera os meus primeiros passos, mais firmes ficaram as minhas mãos, assim, pude alcançar as primeiras letras; depois de ordená-las, comecei a ler; de lá para cá, tenho lido, lido sempre; por certo, ao me envolver com as palavras, alguns segredos seus descobri.
— Segredos meus?
Não! Não os teus!
— Se meus não são, hão de ser de quem?
Delas — das palavras — naturalmente! A ser assim, hás de admitir isto: as palavras escritas não nos traem, logo, logo, ou a cada instante, tenhamos cuidado ao ler quaisquer textos, pois, se sobre eles fizermos algum comentário, alguns segredos nossos serão revelados...
Já disse, ao passar pelo tempo, tempo para ler encontrei, com efeito, ao conhecer palavras a mais, menos ignorei os livros... Com isso, fui ganhando força, até perder o medo de escrever para alguém que pudesse se interessar pelos meus segredos revelados pelas minhas letras...
PS — Há algum tempo, Eugene Garretti, para se livrar do peso que lhe impunham as suas próprias ostentações, desprezou todas as suas insígnias; a ser assim, tudo que sabemos dele é isto: ele é um ente que está a ser ao Ser...
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