Matuto nas Oropa
Seu moço preste atenção
Quêu vou contá sem frescura
Algumas das aventura
Dessa vida que labuto.
Derna de pequeno eu luto
Pra andá sempre na linha
Só faço má a farinha
Que é comida de matuto.
Desde menino eu vivi
Trabalhano no sertão
Plantano milho e feijão
Comeno arroz e fubá
Rapadura, mungunzá
Panelada e mocotó
Andava em todo forró
Doidinho pra me casá.
Assim seu moço eu vivia
Sem luxo, sem vaidade
Ia pouco na cidade
Num via coisa granfina
Porém mudei de rotina
Daquele dia pra cá
Que aprendi a tocá
O diabo da concertina.
Pois derna daquele dia
Fui miorano de sina
Pegava na concertina
Encaicava, ela gemia
Os amigo me dizia:
Tu cum essa bicha na côxa
Sei que ela é mêa frôcha,
Mas tu tem capacidade
Se tu fô para a cidade
Arruma mulé de trôcha.
Num dia de Sexta-fêra
Eu tomei a dicisão
Arrumei o matulão,
Botei a sanfona im riba,
Pequei a sôpa na esquina
E fui bater em Campina,
Cidade da Paraíba.
Chegano im Campina Grande
Eu entrei logo im ação
Tocano xote e baião
Pra mode o povo iscutá
Tocava im quaiqué lugá
Nos forró nas gafiêra
No mêi das ruas, nas fêra
Inté im mesa de bá.
Fui ficano conhecido
E fui armano o isquema
Inté conhecê um dia
Tropeiros da Borborema.
Tropeiros da Borborema
Grupo de dança afamado,
Pra fazê parte do mermo
Eu então fui convidado.
E aceitei o convite
Feito pelo diretô,
Passei a sê tocadô,
Oficiá dos tropêro
Eita que grupo afamado
Num é que foi convidado
Pra tocá no instrangêro!
Pra ir dança na Itália
França, Ispanha e Portugal
Todos acharo legal
Eu também fui iscalado.
Fiquei feliz e animado
Mas mudei de opinião
Ao sabê que de avião
Nós ia ser transportado.
Eu digo: – O diabo é quem vai
Num vô nem cá caxa bata
Vuar num passo de lata?
Eu acho munto arriscado
E se tiver enferrujado
Ou lá em cima cansá?
Cai logo dento do mar
Nós morre tudo afogado.
Mas os colega do grupo
Pegaro a me animá
Começaro a me ispricá
Que num ia tê pirigo.
Dispois de muito concêi
Lá num canto me sentei
Peguei a falá comigo.
Eu já montei im cavalo
Já amansei burro brabo
Já peguei boi pelo rabo
Nunca m’inganchei cum nada
Que dirão meus camarada
Que no sertão eu dêxei
Se soubé que eu afroxei
Vão me chamá de quaiada.
É, o jeito vai ser eu ir
Eu num tenho ôtra saída
Num fiz istória comprida
Tomei logo a decisão
E no dia da viage
Ajuntei minha bagage
Fui pegá o avião.
Cheguei no aeroporto
Dispachei logo a bagage
Eu tava inté cum corage
Mas num era muita não
Mas na hora, meu patrão
Na hora de imbarcá
Eu me danei a suá
Chega pingava no chão.
Peguei c’uma tremedera
Num sabia o que fazê
Me preparei pra corrê
Os colega num dexaro
Bem uns três me agarraro
Puxaro de porta adento
Me prantaro no assento
Do meu lado se sentaro.
Daí a pôco o piloto
Pegô mostrá num cinema
Se tivesse argum pobrema
Comé que o nêgo iscapava
Umas mascra dispencava
Umas porta se abria
Quanto mais aquilo eu via
Era que o medo aumentava.
Dispois o tá do piloto
Que dirige o avião
Mandô apertá o cinto
Eu saltei no cinturão
Dei um arrocho tão grande
Que quase sai o feijão.
Sei que o bicho começô
Dá uma disimbrestada
Numa carreira danada
Que chega açoitava o vento
Foi levantano do chão
E quand’eu dô fé, patrão
Tava das nuve pra dento.
Dispois lá vem uma moça
Cum mói de toalha quente
Pensei que era tapioca
Fui logo metendo o dente.
Uma toalhinha branca
Assim bem inroladinha
Quando eu vim vê o que era
Tinha comido todinha.
Deu-me uma dô de ouvido
Dessas de endoidecê
Me levantei da cadêra
Sem sabê o que fazê
Sem que ninguém impidisse
Cheguei no piloto e disse:
Pare aí quêu vô descer!
O cabra quis achá graça
Mas viu quêu ia ingrossá
Mandô eu tampá a venta
Pela boca respirá
– Ingula o cuspe seguido
Dessa manêra os uvido
Açoita pra fora o ar.
Sei que cheguemo im Madri
Eu deci do avião
Por dento duma sanfona
Cumprida que só o cão
Tomei a bença a Jesus
E fiz o siná da cruz
Dispois que pisei no chão.
Dento do aeroporto
Vi uma porta ingraçada
Pra mode o nêgo abri ela
Num precisa fazê nada
Basta pisá no tapete
Quela fica escancarada.
Porém com’eu num sabia
Fui empurrá com a mão
Na merma hora pisei
No tapete, a porta então
Abriu-se, eu passei direto
Prantei a cara no chão.
Pra pedir uma comida
Era a maió inrolada
Ninguém intendia nada
Eu me danava apontá
Que povo mais inrolado
Cada cabrão véi barbado
Sem aprendê a falá!
Feijão lá ninguém num vê
Cuscuz, farinha, xerém
Carne de sol lá num tem
Mode servi de mistura
Tô dizeno sem frescura
Nunca vô sê convencido
Que lá é disinvorvido
Pois num tem nem rapadura.
De nove hora da noite
O sol inda tava quente
Nos bá num tinha aguardente
Nem pitu e nem bregêra
Ninguém dança gafiêra
E pra falá a verdade
Eu senti muita saudade
Do picado lá da fêra.
Num bá pedi um galeto
Porém o nome era pólo
Na hora eu quase me inrolo
Num sabia o que fazê
Pólo eu num vô comê
Pruque pode sê o sú
Aí eu tomo no c...
Quando o gelo derretê.
Eu tinha muita vontade
De pegá um bom fêjão
Arrochá farinha nele
Dispois amassá cum a mão
Sentado num tamburete
Fazê aqueles bolete
Que a gente chama cancão.
Fui comprá uma cueca
O cabra num intendeu
Era eu dizeno: C-U-E-C-A
E ele olhano pra eu.
Aí eu disse: CIROLA
Também num intendeu não
Eu disse: SAMBA CANÇÃO!
O cabra ficô calado
Eu já estava infesado
Decí a calça todinha
Mostrei a cueca minha:
– É isso aqui condenado!!
Um dia meus companhêro
Dissero: – Vamo aculá
Vamo na danceteria
Eu disse: – Ôpa, vamo lá
Hoje esse povo vai vê
O que é um cabra dançá.
Mas quando eu cheguei na porta
Avistei o estrupisso
Eu digo: – O que diabo é isso?
Dissero: – É um clube moderno.
A luzarada piscano
Os cabra tudo saltano
Eu digo: – Eu tô no inferno!
Me sentei numa cadêra
Fiquei só observano
Os cabra tudo saltano
As nêga tudo assanhada
No mêi daquela cambada
Fiquei mêi incabulado
Passei a noite sentado
E voltei sem dançá nada.
Dispois nós fumo pra França
E eu fiquei hospedado
Na casa dum pessoá
Munto bom e educado.
Porém eu só num gostava
Quando o dia amanhecia
Dêxá a cama macia
Que nem carne de caju
Dizê pra eles Bom Dia!
Sabe o qu’eles respondia?
Tudo duma vez: Bom ju!
Mas eu vô contá também
Algumas das paiaçada
Que eu pude observá
De alguns dos camarada.
Inda no aeroporto
Nós fumo pra uma sala
Pra numa tá de istêra
Cada quá pegá as mala.
E quando as mala apontaro
Eu iscutei uma fala
Dizê: – Pega minha mala
Senão volta pra Campina!
Era uma das minina
Que vinha im toda carrêra
Caiu pro riba da istêra,
Perdeu até as butina.
E o Marcos do Rojão
No hotel se inrolô
Foi a maió confusão
Pra pedí um cobertô.
Primêro pediu lençó
A mulé disse: – Sinhô?
Ele disse: – Um cobertô
A mulé ficô olhano
Aí ele disse: – Um pano
Coberta, Dona Maria.
Quanto mais ele pedia
É que ia piorano.
Após gesticulá muito
E tê cansado a gaiganta
Foi que a mulé disse: – Ah,
Mi sinhô, una lá manta!
Inté o Vereador
João Dantas, cabra letrado
Entrô numa lanchonete
E foi saindo apressado
Num viu a porta de vrido
Prantô nela o pé duvido
Caiu pra trás assentado.
Teve muita coisa mais
Mas eu num vô contá tudo
Se eu fosse contá miúdo
Passava a noite contano
As paiaçada todinha
Junto as dos ôtro e as minha
É coisa pra mais de ano.
Mas tem uma nuvidade
Quêu preciso lhe contá
No dia de regressá
Num tive mais medo não
Pode acreditá, patrão
Quêu fiquei abestaiado
De tê me acostumado
Cum o tá do avião.
Sei que dêxei as Oropa
Arribei de lá pra cá
Num é falano de lá
Pruque lá é bom também.
Mas uma coisa convém
Eu dizê cum mais de mil:
Eu num troco o meu Brasil
por Oropa de ninguém!!!
do Poeta Amazan