O santo de pau falante

Foi nos anos de setenta

que eu deixei o meu sertão

cismei de ir pra São Paulo

trabalhar em construção.

Passei lá um ano e mei

o dinheiro que ganhei

por lá mesmo se acabô,

tudo que eu trouxe de lá

foi uma roupa pra andá

um raido e um gravadô.

Quando voltei pro sertão

tive uma idéia inté boa.

fiz uma estátua de pau

do tamanhe duma pessoa.

Pintei a bicha de preto

ficou um nego perfeito

fiz um buraco na pá,

botei dentro o gravadô

com um interruptô

imbaixo, no calcanhá.

Fiz mais outro mecanismo

com uma mola e um cordão

quando eu pisava no pé

ele levantava a mão.

Então eu fui espalhei:

minha gente eu encontrei

um santo preto e bonito

não posso garantir não,

mas pela cor do negão

deve ser São Benedito!

Quem quiser venha espiá

a imagem do negão

que arresponde o que eu pergunto

e dispois levantá a mão.

Então minha casa enchia

isso sempre todo dia

vinha gente a tarde inteira,

conhecer o milagreiro

encher seus pés de dinheiro

mod’eu fazer minha feira.

Eu gravava o que queria

na fita do gravadô

depois era só pisar

lá no interrupto,

que a fita ia rodano

e os matuto pensano

que a voz era do negão.

Quando alguém dava um trocado

ele dizia: – obrigado!

e fazia assim com a mão.

Eu tinha nas minhas fita

uma que eu tinha gravado

a briga de dois peão

mode um dinheiro emprestado.

E mais outras safadeza

como conversa de mesa

de cabaré e latada,

e na hora do sermão

me atrapaiei, meu patrão

coloquei a fita errada!

Quando eu perguntei pro santo:

o senhor vai precisar

de construir sua igreja

e o povo vai lhe ajudar;

e aí, como é que é?

diga logo quanto quer

se é vinte mil ou mais!

Quando eu pisei no botão

ele disse: – seu ladrão

vá roubar o satanás!

Tu sois um cabra safado

vagabundo trambiqueiro

fica dano uma de honesto

e roubano o meu dinheiro.

Eu pisei no calcanhar

no botão de desligar

mas o danado engancho,

e ao invés de desligar

só fez foi adiantar

a fita do gravadô.

Na hora que uma senhora

ia botando um dinheiro

ele disse: – Boazuda

venha logo aqui primeiro,

vamo ali fazer amor.

A mulher disse: – o senhor

trate de me arrespeitar

tenha mais educação!

Ele respondeu: – Quer não?

Entonse vá se lascar!

Consegui torar uns fios

mas parei a gravação.

Tenha calma pessoal

não precisa afobação!

É que ele gosta de tomar

uns vinho especiá

que às vez eu trago da feira,

mas hoje ele exagerou

e quando o vinho acabou

imburacou na brejeira.

Num foi não, São Benedito?

Confirme pro pessoá!

Pisei no outro botão

Mod’ele a mão levanta,

mas o cordão se torô

a mola desapregô

o nego rodô a mão,

pegou no meu pé do uvido

senti aquele zunido,

meti o rabo no chão.

O povo frechô em riba

do santo pra segurar

o nego meteu o braço

e cadê a mola parar?!

Quanto mais o pau cantava

mais a mola balançava

e o bofete comia,

por fim correu todo mundo

ficou só eu e Raimundo

vaqueiro de Zé Maria.

Depois que eu me levantei

levei o nêgo pra fora

fiz uma coivara grande

queimei-o na mesma hora.

A cinza toda eu juntei

fiz uma cova, enterrei

perto da linha do trem.

E se pau tiver esprito

aquele São Benedito

nunca mais bate em ninguém!

do Poeta Amazan

Amazan
Enviado por Paulo Seixas em 17/07/2017
Reeditado em 26/11/2017
Código do texto: T6056838
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