Tranca Rua - do poeta Amazan
TRANCA RUA
Eu ainda era menino
A primeira vez que vi,
Um cabocão lazarino
Que nunca mais esqueci.
Chamava-se Tranca Rua
Pois quando a vontade sua
Era fechar a cidade,
Dava ordem pra trancar
Mercado, bodega, bar
Até a casa do pade.
Quatro, cinco, seis sordado
Para ele era perdido,
Uns saía arrebentado
Outros ficava estendido,
De forma que a cidade
Não tinha tranquilidade
No dia que ele bebia.
Pois quando se embriagava
Dava a gôta, bagunçava
E prendê-lo ninguém podia.
Tranca Rua era um cabôco
Com dois metro de artura,
Os braço era aqueles tôco
As perna dessa grossura.
Num tinha medo de nada
Pois até onça pintada
Ele sozinho caçava,
Pegava a bicha de mão
Depois com um cinturão
Dava uma pisa e matava.
E sei que criei-me escutando
Falar do cabra voraz,
O tempo foi se passando
E eu tornei-me rapaz,
Mole que só a mulesta
Até pra ir a uma festa
Eu era desconfiado,
Se acaso eu visse uma briga
Tinha logo uma fadiga
Ficava todo mijado.
Hoje quem olha pra mim
Pensa até que eu tô inchado,
Pois eu nunca fui assim
Naquele tempo passado.
Eu era um caba mufino
Desses do pescoço fino
Da cabeça chata e feia,
Na região que eu morava
O povo só me chamava
De caboré de urêia.
Por arte dos mangangá
Um dia eu me alistei
No concurso militar
Apois num é que eu passei!
Tornei-me então um soldado
Magro fêi e infadado
Nem cum revólve podia,
Porém se o chefe mandasse
Prender alguém que errasse
Eu dava a gôta, mas ia.
Uma certa madrugada
Eu estava bem deitado
Quando chegô Zé Buchada
Com os ói arregalado.
Foi logo chamando a gente
Depois deu parte ao Tenente
Relatou o dermantelo:
– Tranca Rua ontem brigou
Portanto agora o senhor
Vai ter que mandar prendê-lo.
O tenente olhou pra mim
Eu chega tive um abalo.
Disse: – Amanhã bem cedim
Você vá lá intimá-lo!
Disse isso e foi deitá
Eu peguei logo a ficá
Amarelo e mêi cansado,
Me deu uma tremedêra
Eu digo: – É a derradêra
Viage desse sordado!
E de manhã logo cedo
Botei o pé no camim
Saí tremeno de medo
E conversano sozim.
Aqui acolá parava
Fazia uns gesto ensaiava
O que diria pra ele,
E saí me maldizeno
Nove hora mais omeno
Eu cheguei na casa dele.
Fui chegano com cuidado
A porta tava fechada
Ispiei assim pum lado
Vi ele numa latada.
Tava dum bode tratano
Eu fui me aprochegano
Pra perto do fariseu,
Minha garganta tremia
Eu fui disse assim: – Bom diiia!
Ele nem arrespondeu.
Eu fui peguei conversano
E me aprochegano mais
E ele lá trabaiano
Sem me dar nenhum cartaz.
Eu digo: – Bonito dia
Mas seu Antônhe, quem diria
Que esse ano ia chovê?
Eita que bodão criado
É pra vendê no meicado
Ou mode o sinhô comê?
Ele foi olhô pra mim
Eu comecei a surri
Aí ele disse mermo assim:
– Que diabo tu qué aqui?
Eu fui disse: – Não sinhô
É que eu sô um caçadô
Moro lá do pé da serra,
Me perdi de madrugada
Não achei mais a estrada
Vim saí nas suas terra.
Aí ele foi me interrogou:
Então cadê seu bisaco?
Eu fui disse: Não, senhor. Ah, sim!
Caiu num buraco.
Aí ele disse: sente aí
Qui eu vô terminar aqui
Mode dispois conzinhar.
E você chegou agora
Portanto, só vai imbora
Adispois qui armoçá.
Quando nós tava armunçando
Ele pegô conversá
E disse: – Faz vinte ano
Que eu moro nesse lugá.
Sem mulhé e sem parente
Às vezes tomo aguardente
Faço papé de bandido,
Eu sei que é covardia
Mas, porém, no ôtro dia
Fico munto arrependido.
Onte mermo sem querê
Eu fiz umas presepada,
Pois comecei a bebê
Cana com lambu assada.
Depois perdi os sentido
Fiz o maió distampido
Na fazenda de João Cunha,
Hoje me sinto com curpa
Não vô lá pidi discurpa
Porque estô cum vergonha.
Aí eu disse: – É agora
Que eu faço a minha defesa!
Peguei a fera na hora
Do momento de fraqueza
E disse assim: – Realmente
O sinhô é diferente
Quando tá embriagado.
Mas dêxe isso pra lá
Que a vida vive a passá
E o que passou tá passado.
Viu seu Antonhe, tem mais uma:
Eu nunca fui caçador,
Também estou com vergunha
De tê mentido ao sinhô.
Eu sô um pobre sordado
Que as orde do delegado
Meu devê é dispachá.
Porém prefiro morrê
Do que dizê a você
Que vim aqui lhe intimá.
Se o delegado achá ruim
Pode tirá minha farda,
Mas intimá seu Tohim
Deus me livre, intimo nada!
Nisso Antonhe se levantô
Bebeu água, se sentô
Depois pegô perguntá:
Qué dizê que o sordado
Por orde do delegado
Veio aqui me intimá?
Eu fui fala, mas num deu
Comecei a gagueja,
Nisso Antonhe olhô pra eu
E disse: – Pode se acalmá!
Resolvi ir cum você
Pra conversá e sabê
O que qué o delegado,
Pois se eu num fô camarada
Vão tirá a sua farda
E eu vô me senti culpado.
E vamo logo simbora
Enquanto eu tô cum vontade.
Mais omeno as quatro hora
Fumo entrano na cidade.
De longe eu vi o tenente
Assentado num batente
Com uns caba a conversa,
Mas quando viu nós gritô:
Valei-me Nosso Sinhô
Ispi quem vem acolá...
Eu só tô acreditano
Porque meus ói estão veno,
Tranca Rua vem chegano
Caboré vem lhe trazeno.
O cabra é macho demais!
Nisso eu fui passei pra trás
Mode chamá atenção,
E para me amostrá
Inventei de impurrá
Tranca Rua cum a mão.
Esse nêgo, camarada
Ficô mêi infurecido,
Deu-me uma chapuletada
Pru riba do pé duvido,
Que eu saí feito um peão
Rodano sem direção
Pru riba de peda e pau,
Graças a Virge Maria
Acordei no ôtro dia
Na cama dum hospital.
Não sei o que se passou
Na hora que eu dirmaiêi,
Pruque ninguém me contô
Eu também num perguntei.
Só sei que o delegado
Inda hoje é alejado
E que esse uvido meu,
Nunca mais iscutô nada
Pur causo da burduada
Que Tranca Rua me deu.
do Poeta Amazan