MÁQUINA DE CONVENIÊNCIAS
Somos uma máquina de conveniências. Gostamos apenas dos ditados que nos convêm, das frases que dizem o que queremos ouvir. Buscamos conselhos que nos apaziguem, livros que nos validem, amigos que nos endossem e opiniões que não nos desmintam.
Entramos apenas em grupos que reforçam nossa ideologia – se é que verdadeiramente temos uma – e, dali, seguimos sendo alimentados por mais do mesmo. Até mesmo as pesquisas que fazemos na internet são direcionadas à resposta que queremos obter.
Querer estar certo faz parte da natureza humana, que parece sempre tentar se distanciar da natureza natural, onde as folhas não têm razão no outono para que as flores possam tê-la no verão.
Estamos sempre em busca das ideias que já possuímos – não para questioná-las, mas para reforçá-las, engordá-las, idolatrá-las. A maior consequência dessa espécie de narcisismo intelectual é nos tornarmos cada vez mais redundantes, mais óbvios, mais estreitos. Por fim, enferrujamos.
Afinal, quem ouve apenas aquilo que quer, não tem nada a aprender com isso.
Essa não é uma ideia nova. O próprio Nietzsche já dizia que o problema dos filósofos é que eles só filosofavam sobre aquilo em que acreditavam. E, convenhamos, somos seres binários, não temos a capacidade natural de “acreditar em tudo”.
Hermann Hesse também nos convida a superar essa dualidade em seu livro Demian, onde implica que, se nos limitamos a enxergar apenas o céu, ignoramos o inferno e a realidade mais profunda da vida, que é a fusão desses elementos: “A ave sai do ovo. O ovo é o mundo. Quem quiser nascer tem que destruir um mundo.”
Embarcar nessa jornada de conhecimento não é tarefa simples, é verdade, pois o tesouro de nossas convicções é muito caro para nós, e o preço a se pagar pode ser a ‘benção’ da paz que essa ignorância imposta nos concede.
A verdade nunca é apenas a nossa, nem apenas a do outro. Ao atingir esse patamar de consciência, passamos a enxergar, quase de imediato, um outro mundo com novos olhos.
Um mundo onde não somos donos da verdade (quão absurdo seria?), mas onde somos apenas parte de um esquema maior de ideias, uma peça de um quebra-cabeça que ainda está se formando, mas onde toda peça é fundamental.
Nem mesmo este texto poderia acabar com uma resposta simples. Se a verdade insiste em ser tão abrangente, basta que nos deleitemos com sua visão. Afinal, a evolução não é um fim, mas uma caminhada que devemos perseguir.
Ou talvez, apenas metade deste texto seja realmente válida.
Mas quem, afinal, poderá dizer qual das metades?