Estudo é tudo, mas...

A escritora, poeta e literata Adélia Prado tem ganhado espaço nas mídias em razão de recentemente ter sido laureada com o Prêmio Camões, e a reflexão sobre a qual me proponho a debruçar gira em torno de uma célebre frase da autora que nos toca o coração e faz pensar: “Minha mãe achava estudo a coisa mais fina do mundo. Não é. A coisa mais fina do mundo é o sentimento”.

Aquele que tem estudo, tem tudo: tem tudo para saber manejar a técnica de um ofício, tem tudo para tentar uma colocação profissional, tem tudo o que ambiente acadêmico lhe possibilitou aprender em épocas de formação. Mas quem tem estudo não tem tudo na acepção absoluta do termo que nos remete à totalidade. Aquilo que obteve pelo intelecto científico não é suficiente para a poesia de uma vida, não é o suficiente para encontrar a felicidade e talvez nem seja o caminho, a depender do que o destino tenha reservado, não é o suficiente ante as experiências que apenas a alma vivencia em raras e sublimes ocasiões.

Não se pode olvidar, certamente, que o estudo é uma fonte inesgotável de satisfação e aprendizado, mas afinal de que matéria o estudo é feito? E não falo das matérias dos aprendizes, pergunto sobre a matéria sólida que compõe o ato de estudar. Sem dúvidas, conhecimento é empoderamento, e é mais que isso, alguém que tem instrução tem o trato fino e o filtro da ponderação, é alguém a quem os leigos no assunto dirigem um respeito que reverencia aquilo que não compreendem mas que o outro conhece.

Assim, por vezes os nossos estudos se resumem àquilo que somos, tal visão costuma pertencer à maioria que não teve o privilégio de acesso ao conhecimento que tivemos. Por exemplo, o estudo de um médico é notado quando aplica em sua profissão o rigor que ela exige ao buscar o diagnóstico de uma doença, a incansável pesquisa por uma cura, mas em última instância está para além disso, vez que um olhar meticuloso e em tom lírico perceberá que todo o estudo empregado pelo médico se presta à tentativa de salvar vidas que amam e que são amadas por outrem.

Resta nítido, portanto, que o que fazemos não assume apenas uma função, via de regra, e o conteúdo que dispomos não tem a pretensão essencial de alcançar status ou prestígio na sociedade. O estudo muito sabe, mas nunca soube se prestar às futilidades de um mundo que compreende alguém por seu conteúdo profissional, é mais válido voltarmos-nos ao que a pessoa se tornou a partir do que fez com o estudo que lhe coube. O estudo tem por finalidade última tocar o coração das pessoas e servi-las, porque é nisto que reside toda a sua polidez e a sua distinção: no cerne do sentir.

E sentir supera qualquer ensinamento formal, porque o sentimento é o professor dos Homens, é de nossos sentidos que extraímos a nossa verdade. Não há arrogância acadêmica que não sucumba quando entra em cena uma outra dimensão do indivíduo educado: é insuperável aquele que exercita a gentileza, que reconhece o bem e opta por ele, que semeia o amor, o respeito e a ética. Estes sim têm a minha mais grata admiração, com seus sensos aflorados de civilidade e de humanidade.

Nisto, não reduzo a importância do estudo, e seria uma lástima se eu assim o fizesse, porque é um tema que me desperta o mais feliz engajamento. O estudo mudou o destino de minha família e muda a realidade a que estamos acostumados, não transforma apenas a vida de quem se dedicou a ele, mas também a vida daqueles que serão beneficiados pelo emprego do conhecimento que alguém adquiriu. O estudo é o melhor antídoto contra o senso comum e contra a ignorância barata, porque estudar com afinco tem o condão de lapidar o pensamento e educar a mente, nos tornando menos suscetíveis às informações que constantemente nos são vendidas.

Ao mesmo tempo, é com orgulho e plenitude que concordo com a maravilhosa Adélia, não há fineza nem elegância maiores que o sentimento, porque a sensibilidade transcende o que se pode aprender e ensinar, é um dom dotado de todo o requinte, é a salvação para tantas lacunas que o saber por si só não consegue preencher. O sentimento é a resposta doce e firme contra a erudição séria e cambaleante, é a resposta às perguntas que a técnica é incapaz de solucionar, é a infindável esperança que levamos em nosso foro mais íntimo e é a pura simplicidade revestida de amor. E quanto a isso, não é necessário falar nada mais, porque o sentimento fala por si com toda a maestria que lhe é inerente.

Flora Fernweh
Enviado por Flora Fernweh em 11/07/2024
Código do texto: T8104385
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