Crítica ao fluxo de consciência
Ao plantar a semente do imaginário, a literatura serve à contemplação artística livre que nos permite tirar conclusões próprias a partir de um fio de raciocínio poético emanado pelos personagens ou pelas circunstâncias do enredo. É preciso, todavia, que a literatura modere a sua convicção e permita diversas significações de uma mesma obra, porque é nisso que reside a certeza de uma boa escrita e o sucesso de um eterno clássico que até hoje ressoa em simbolismo. A não ser que seja um soco no estômago, como escreveu Clarice Lispector, a grande mestra em fluxo de consciência, um livro influenciável até as camadas mais reentrantes de nosso ser corre o risco de acender tribulações, e em uma esfera mais radical, é capaz de moldar o que devaneamos em nossas horas mais vãs.
O fluxo de consciência é uma técnica que aproxima o leitor das impressões pessoais descritas na trama. Por meio desse fenômeno, a literatura se faz em tons mais intimistas que conduzem aquele lê ao universo daquele sobre o qual se conta, de modo que o leitor raras vezes torna-se ciente do impedimento de ter pensamentos autônomos, visto que está condicionado pela mente de um personagem desconhecido, mas que se torna menos estranho ao abrir-se ao leitor que se permite aventurar pelo interior dos seus pensamentos. Essa fusão entre leitor e escritor aniquila as barreiras tênues entre dois sujeitos distintos, e despe o leitor de qualquer discriminação remanescente, uma vez que ele acata para si o pensamento de um outrem ficcional.
Por outra perspectiva, essa união se torna limitante ao evitar a autenticidade do leitor de interpretar o que leu a partir de sua própria experiência, sujeitando-o à visão de mundo de um personagem que por vezes não compactua com os ideais daquele que está com um livro aberto diante de si. A absorção do real pelo imaginário e a inexistência de separação entre dois mundos cria a brecha perfeita para manipulação do leitor, que sendo um bom leitor, se deixará levar pelas proposições de uma boa estória. A tecitura de uma narrativa bem construída tem o poder de fazer o leitor esquecer, por um breve momento, de sua identidade originária, e de sua incontestável existência, o que pode tornar essa imersão um incidente perigoso que não terminará na melhor das epifanias.
Assim se constrói um autoritarismo velado na literatura, que impede uma subjetividade livre em completude. Aqueles que discordam poderiam afirmar que o fluxo de consciência não é munido nem da eventual intenção de se fazer arbitrário ou de precipitar conclusões. Mas a verdade é que um fluxo de consciência, quando não bem aprofundado, leva o leitor por caminhos diferentes daqueles pelos quais seguiria. Ou seja, não é um simples efeito que um autor escolhe inserir em sua escrita, mas sim a violação do princípio ao qual a literatura se presta: despertar a imaginação respeitando a liberdade e os valores de quem a contempla.