Para meu poeta
Eu lustrei tantos amores opacos que esqueci de me cuidar. Outrora, achava que o desencanto era tão similar a dor, que apenas sofria por des-amar. Falei tanto de amores e esculpi tantos príncipes que me salvariam que não percebi: não há de quê ser salvo. Onde foi que iniciou aquela parte das paixões insanas e ardentes que ansiavam por pele, por furor e tantos outros desejos? É como se agora eu andasse por alguns corredores antigos e visse rabiscos nas paredes tão intensos, por tão pouco. É como se fosse uma construção antiga e abandonada, vazia e silenciosa. Não existe mais o eco da minha voz, pois há muito tempo parei de chorar. A tal chama de querer tanto os outros, se apagou dando espaço a uma penumbra. Vazia, inóspita, com cheiro de sepulcro e levemente mofada após a era das águas.
Voltei as lembranças, de maneira silenciosa e tão cuidadosa que quase não me reconheci. Minhas inspirações sempre ali, dispostas a servir o outro, dispostas a amar e odiar na mesma proporção por qualquer um que lata. Como fui tão dedicado a ouvir um “eu te amo”. Deveria eu ter amado a mim mesmo, dentro dos meus sentimentos. Mas o tempo passa e a duras mágoas, agora é um pouco tarde.
Serei grato a esse vândalo sentimental que criou tantos versos de amor. Grato a mim, mas o tempo continua exigindo a continuidade e seu preço permanece caro. Embora alguns vazios tenham se tornado meu melhor amigo, o retorno me demonstrou o quão pouco sei me lustrar ou quão difícil é se perdoar. Tentarei ser melhor, seja pelo eu do passado seja pelo eu que há de vir.
Com minhas escritas dentro do meu coração-armário, não mais entenderei ao outro sem antes amar a mim.