Declínio da sensibilidade
Já se ausentam da percepção humana os toques e os detalhes, porque o alento introspectivo está em queda. A vagueza do sentir e as atribulações do mundo tomaram conta da cena das paixões que anteriormente arrebataram a alma. Pergunto-me em que momento perdemos a capacidade de deixarmo-nos levar pelos sentimentos que às vezes ainda insistem em fazer morada em nós, já que por enquanto não há ser mais propício a ceder por amor que o próprio ser humano, com todas as suas necessárias contradições. Talvez tenha sido na passagem para a modernidade, quando o último dos românticos andou sobre a Terra, ou então esse fenômeno foi abrupto e mais recente, iniciando-se na contemporaneidade. Não sei ao certo e jamais saberei, pois falo de uma casta a qual jamais vou pertencer, sou facilmente vulnerável pelo ímpeto de uma sensibilidade sorrateira por trás da arte ou do dia a dia. Mas quem sabe caminhamos todos desde os tempos mais primitivos rumo ao esquecimento do aparato sensitivo com o qual nascemos, sendo esse o destino derradeiro. Não estaríamos sofrendo com esse declínio silencioso que poucos percebem em consciência, sem que anteriormente tivéssemos sido chamados para sentir. Então o que nos levou a voltarmo-nos para as profundezas de tudo o que nos habita? Quando começamos a prestar atenção naquilo que tem verdadeira importância para os nossos sentidos? Eu também não sei responder, e suspeito que só poderemos responder a primeira quando entendermos sumariamente a outra, que evoca o início de tudo. É a prova de que o ato de sentir varia no tempo e não foi objeto central de análise por séculos, bem como varia no espaço, uma vez que culturas distintas não possuem a mesma relação com os sentimentos que nos povoam, ainda que sentir seja universal, há nuances singulares moldadas pelo jeito de encarar a realidade. Eu lamento que como raça, estejamos perdendo a capacidade de amar, porque era isso que nos tornava imbatíveis. Frequentemente não amávamos uns aos outros, basta olhar para o que a história do mundos nos conta, mas o amor e o ódio estão unidos por uma única origem: ambos são frutos de paixões truculentas, sendo preferível um sentimento desvairado ante à dura indiferença de seres feitos para amar, mas inaptos do mesmo pelas circunstâncias que ceifaram o amor. Quando o nada se manifesta, todas as esperanças fenecem. Mas quando ainda há um resquício de sentimento, embora perigoso, é possível ressuscitar uma sensibilidade benévola. Nossos hábitos estão mudando e a agilidade dos fluxos nos faz concentrar em outros gestos, tornam-se outras as nossas prioridades. Perdemos o que é primário, e sem isso, não conseguiremos ir além. Ser sensível é intrínseco a nós, e perder isso, significa o esquecimento de uma base sólida sem a qual nada pode emergir além daquilo que é banal. Tenho minhas dúvidas se ainda há tempo de consertar tamanha falha, muitos corações já não têm volta, pois batem em um ritmo frenético à espera do descanso após uma vida fria e sem cor. Contudo, não perdi minha sensibilidade, por conseguinte resta comigo minha esperança, e como indivíduo sensível, posso projetar de forma harmônica em minha mente imaginativa o reerguimento do elemento imprescindível que nos identifica. Não é preciso de um grande impulso para exercer a sensibilidade, sua forma mais pura é espontânea. Mas é preciso um grande esforço para reverter o constante desvio das paixões que já não nos acometem mais.