Cor de desejo

Ao chegar nessa vida, fui recebida com tons de rosa, bonecas, príncipes encantados e vestidos. Crescendo mais um pouco, meu destino só poderia se interligar a um homem, este que me tiraria de casa para uma que fosse nossa, construída sobre expectativas dos papéis que tínhamos que cumprir.

Mas a figura paterna não impôs seu nome como lei, as bonecas foram substituídas por cachorrinhos de plástico e ursinhos de pelúcia cuidados estrategicamente por minhas mãos pequenininhas e imaginação fértil. Desenhos faziam parte do cenário, até chegar a escrita, a música, encaminhando para afinidades que se distinguiam do brincar de casinha.

Ao sair de casa, não havia uma promessa de homem. A primeira mulher da família que não saiu sob o "cuidado" masculino, com uma aliança no dedo, seguidos de uma idealização binária.

Gênero foi um conceito apreendido na adolescência, estudado para fazer jus ao feminismo discutido categoricamente na internet. Na mesma época, o terror da sexualidade desviante era vivenciado, e os homens ao meu redor eram nada além de amigos com os quais eu ansiava por conversar de igual para igual. Meu primeiro amor foi uma mulher como eu. O segundo, o terceiro, o quarto também. Viver isso compôs essa que aqui vos escreve, carregando memórias sensíveis de descobrimento, clareza, mas também de revolução dentro do peito e fora dele. Recentemente, ao sair de casa para estudar, e não para casar, me vi pertencente de uma realidade em que as expectativas podem ser diferentes. Novas formas de se apaixonar também chegaram, provocando inquietudes outras.

Inserida, enraizada, integrante da psicologia, vivi um dia de prática em que dois adolescentes passaram por mim, na posição de plantonista numa escola, e compartilharam suas queixas, inteiramente voltadas para descobrimento, clareza e revolução. Um deles amava sem medo, o outro era rejeitado por amar. Eu ali era uma psicóloga capaz de atender àquela demanda, assim como anseio por receber qualquer outra. Algumas estarão relacionadas com dias que nunca vivi, com questões que desconheço pessoalmente, e outras eu sei que virão assim, familiarmente, com esse conteúdo explícito de desejo que procura saída para ser vivido. E não há como evitar o desejo, não é? Este que aqui trago como conceito, que vivencio como responsabilidade, mas também como encontro comigo mesma. Dentro dessa profissão, área, missão de vida, só posso esperar pelo encontro, e que as dificuldades sejam atenuadas para que cada um se reconheça como é, para além de como são recebidos no mundo.

Vitória Almeida
Enviado por Vitória Almeida em 14/02/2023
Código do texto: T7718930
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