Manto negro
Depois de tanto tempo penso se estou no lugar que tanto desejava. O dia vai se desmoronando abrindo espaço para a escuridão que tanto me identifico. Talvez antigamente eu tivesse mais desejo pelas coisas que tanto amei e agora vejo que são tão vazias como uma melodia inóspita. Sobrou apenas minha sombra que se apaga com o cair da noite. Será que esse tal amor próprio é realmente o suficiente?
Em minha própria casa me sinto sozinho enquanto caminho entre os quartos. Um por um, pacientemente vejo que me acolhem esperando meu fim. É como se eu fosse horrível demais para ter alguém. É como se eu não merecesse nada além disso. Me ergo como rocha mas desmancho na água dos olhos. Espero ser abraçado pelo seu avental negro, doce, com cheiro de sepulcro...
Relembro as dores que são mais marcantes que os amores. Sigo em frente, tal qual deve ser.
Memórias póstumas de um vivo morto, que perdeu muito para conquistar tão pouco.
O escuro logo resolve me envolver e agora entendo, mesmo que tarde, que a morte é o abraço final da vida.