Sobre a abstração
Existe uma tendência em considerar abstrato tudo aquilo que foge do mundo material e se instala no nível das ideias, como uma impossibilidade de tecer efeitos práticos, visto que se considera como uma abstração. No senso comum, algo abstrato remete a um sentido metafísico e de difícil compreensão e acepção pela mente humana, demandando muito esforço para se alcançar na escada intelectual. Por essa razão, o abstrato é visto como um pensamento sofisticado e nobre por exigir maior perspicácia de entendimento. Entretanto, a definição do abstrato é contrária à teorização excessiva dos que se auto proclamam filósofos da mais alta estirpe por não conseguirem comunicar seu pensamento, em uma atitude de clara arrogância perante a linguagem que constrói suas reflexões. O abstrato reside na realidade, uma vez que um conceito ou um fato abstrato é assim chamado por ser abstraído da realidade, sendo ela um substrato do abstrato. Ou seja, a abstração provém da proximidade com o mundo concreto. A necessidade de associar o abstrato com o transcendentalismo foi motivada por uma tentativa de garantir que raciocínios mais complexos fossem aceitáveis por instituições erguidas em nome da fé no decorrer dos séculos. Por exemplo, a origem da filosofia cristã e todo o seu rígido aparato, só pôde se desenvolver a partir de um corpo existente: aquele formado pelos fiéis, que permitiu a consolidação das igrejas. A preciosidade de emaranhar informações captadas pelos sentidos em redes de ideias nutria as tradições e oferecia uma proteção contra distorções exteriores de quem se apropriasse do ofício de abstração. Além de ter suas raízes no plano tangível, a matéria sólida da sensação se desfaz quando adentra os pórticos do abstrato, tornando-se difusa e expansível, o que proporciona múltiplas possibilidades de perspectivas e elucubrações com base em imagens existentes nos recantos sensíveis, pois a mente é involuntariamente forçada a traçar semelhanças entre o irreconhecível e aquilo que ela conhece, valendo-se para isso, de imaginação e experiências a priori. Tal face da abstração, que angaria em seus extremos o mundo das percepções, tanto na origem, por permitir a tessitura do elemento abstrato, quanto no fim, por ser o destino palpável e visualizável em que a abstração desemboca, evidencia um forte agrilhoamento entre os dois mundos tão bem divididos por Platão, que são deveras indissociavelmente intrincados.