Positividade tóxica
Para um bem-viver, não se discute que é importante ter um mínimo de senso de positividade e ao menos se esforçar um pouco para enxergar as situações de um ângulo mais leve, mas infelizmente, muitos discursos de hoje estão recheados de uma positividade tóxica, idealizada, irreal. Ou melhor, surreal. E quando o sujeito se vê na posição de ser feliz no sentido de aparentar o mais elevado estado de espírito, ou de buscar a felicidade a qualquer custo, até mesmo do custo de seu bem-estar mental, ele de forma automática já mergulhou em outra angústia, fato que demonstra que buscar a felicidade ou mostrar uma felicidade ilusória pode impulsionar o pior dos pessimismos, aquele que se camufla na bem-aventurança de uma vida genuinamente feliz. Não se pode negar a tendência do ser humano em encontrar algo para além de sua zona de conforto e em explorar as veredas de sua vida em constante procura pelo gozo da existência, ainda que precise enganar seus sentidos com uma felicidade teatral e transitória que se veste daquilo que se convencionou chamar de alegria eterna. O ato de um indivíduo embriagar-se de introspecção é um dos sintomas vinculados às pressões que sofre para ser feliz, sendo que a ditadura da felicidade é imposta em última instância por valores utilitários e racionais de uma civilização apegada ao individualismo e à concepção competitiva de sucesso. Assim, ao surfar no querer das massas, o sujeito fragmenta o ideal alcançável que tem de felicidade própria e prostitui seus valores e até mesmo características de sua personalidade em vias de se tornar um exemplo de ser feliz com base nas projeções do outro. Por outro lado, se existe um elemento constitutivo de sua identidade que o impede de atingir a felicidade pelos meios mais visualizáveis, entende-se que ela logo deve ser eliminada, sem considerar a trajetória pessoal, visto que lamentavelmente, todo curso de vida com seus respectivos esforços não tem valor algum a menos que seja avaliada pela felicidade que foi acumulada no caminho. O resto é esforço em vão. Soma-se ao infausto alienado, o período do cansaço e posteriormente, a da aceitação cômoda de que a felicidade é privilégio de poucos, pertencendo ou àqueles que são providos de uma nobre responsabilidade de missão, ou àqueles que viveram distraídos o suficiente para aceitar as fantasias ordinárias. Logo depois, a última época mostra que a dor da flecha da frustração não é tão lancinante nos corações que se perderam após o remodelamento leviano e involuntário por parte daqueles que escrevem as leis do tribunal que sentencia vidas felizes e vidas vazias. Desprovidas de densidade de espírito, o machucado é superficial, assim como uma existência ferida pela dedicação à ventura alheia. Posto isso, a felicidade distorcida e incompreendida se espreme e goteja o veneno no cálice, tal qual a cicuta que expulsou do paraíso tóxico os condenados por pecado original, em razão de sua originalidade e coragem primordial, sumo de felicidade.