A Senzala persiste
No Brasil, as sutis repulsas que permeiam as relações humanas não foram estremecidas por completo naquele dia 13 de maio, em que a liberdade se anunciava com a assinatura da Lei Áurea. O documento era oficial, mas não se pode oficializar na mentalidade de um povo, uma mudança tão radical na estrutura da sociedade, visto que a ruptura é breve e impetuosa, mas a transição é um processo que demanda tempo e tolerância. Parece até que não superamos a hierarquia racial de outrora, dos tempos em que o Brasil ainda era projeto de nação, se já tivéssemos aceitado a ideia, por que a celeuma do racismo perseverou e se alastra nos dias de hoje com tanta nitidez? A senzala ainda vibra nos meios de comunicação, especialmente naqueles de forte identidade ideológica, em que a radicalização dos discursos, alcança os polos dos debates acalorados sobre gênero, religião, futebol e, sobretudo, raça. Apesar de subentendida, a senzala está mais viva que nunca, atingindo as novas gerações, moldando pensamentos ao entrar em contato com outras crenças pessoais e culturais, agindo em um efeito amplificador. A senzala ainda existe, não como um simples símbolo da escravidão negra, mas como um legado que continua ferindo, sem necessariamente disseminar ideais racistas, mas sim ao silenciar vozes negras ao passo em que a representatividade efetiva ainda consolida-se como um sonho distante. A senzala ainda vive, está de pé, com sua madeira quase intacta, nos erros que sustentam o país tal qual o conhecemos hoje, nas narrativas a partir das quais fomos ensinados a pensar sobre a supremacia do povo branco, nas associações que estabelecemos ao ouvir palavras como “negritude” ou “afrofuturismo”, no modo como nos comportamos diante de um lugar de fala que nunca nos coube. A senzala é simultaneamente a objetificação de um ódio destituído de fundamento, o motivo de vergonha pelo preconceito, e uma fonte de resistência calcada na memória.