Meus olhos continuam procurando você
Meus olhos continuam procurando você nos lugares em que você não vai mais. Meu peito insiste em bater o amor que você já não sente. E eu vivo buscando caminhos de reviver os sonhos que morreram em mim.
Foi quando você me disse em alto e bom tom "tudo tem um porquê". E eu achei que era de nós que você falava, quase como quem arruma uma desculpa para justificar o porquê só nos encontramos depois dos vinte e tantos anos. Eu nunca fui muito bom com entrelinhas e não pude entender que você já anunciava, desde logo, as justificativas da tua ida.
Fazia tempo que ninguém me machucava. Eu criei toda uma carapaça sólida e impenetrável e fiz dela moradia. Dentro do meu casco, eu guardei meus medos e desejos mais profundos, só para que ninguém desconfiasse do que eu era.
Não precisou de muito tempo pra você quebrar tudo isso. Quatro anos, meu bem. Foram quatro anos desde a última pessoa que conheceu minha alma nua. Quatro anos que eu me coloquei pra dentro do casco e não deixei ninguém entrar. Mas bastou você chegar com esse cabelo meio bagunçado pra eu ter coragem de amar outra vez. Se eu tivesse lembrado o quanto dói amar ou soubesse o quanto eu me arrependeria depois, voltaria agora mesmo àquela mesa de bar, tomaria a última dose antes da hora de sua chegada e iria embora para casa. Sozinho. Sem medo. Sem pestanejar. Sem titubear. Sem olhar pra trás.
No auge dos trinta anos, você me prometeu sinceridade. E eu não podia imaginar que você vivia só por brincar de amar. O casco, eu desfiz pra você; meus sonhos, eu te entreguei; o amor que eu preparei pra mim, eu preferi te dar. Tudo isso em vão.
Foi assim que você entendeu o que eu queria. Foi assim que você soube que eu não sou de brincadeiras, sobretudo quando o assunto é amor. Foi só aí que você percebeu que quando eu dizia te amar, tudo o que eu queria era dizer que te amava; que quando eu dizia que queria nosso casamento, tudo o que eu queria era dizer que eu queria nosso casamento; que quando eu te dizia da nossa filha e de como eu a imaginava, tudo o que eu queria era te dizer que eu havia vencido o medo de ser um pai ruim e que agora, eu estava pronto para ter nossa família. Simples assim. Preto no branco. E você retribuiu todas e cada uma das vezes que te disse sobre nós. O que eu não sabia, meu bem, é que você era muito mais dada ao cinza e todas as suas possíveis tonalidades do que eu. Todas as nossas promessas, foi você quem matou.
Quando eu fecho meus olhos, ainda me lembro de como eu me senti quando eu entendi que, segundo você, era eu quem despedaçava nossa alegria de viver. E de como me doeu saber de todas as mentiras que descobri sobre você. Você talvez nem saiba, mas demorou tanto tempo pra arrumar essa casa torta que eu chamo de mente que, se você tivesse o mínimo de respeito pelos outros, não teria quebrado minhas paredes só para ir embora depois de conseguir.
Senti, no seu amor, o amargo do desespero do vazio. Quase como se você vivesse por uma disputa interna e unipessoal: o teu objetivo, num descabido troféu egoísta, era pura e simplesmente provar para si que eu poderia te amar. E que você, boa que só, poderia quebrar todas as minhas barreiras. Uma por uma. E assim você fez. Parabéns, então, pra você.
Mas se quer saber, mesmo que em mim não more mais a plenitude do amor, eu posso te assegurar com toda a clareza que tenho (e que você me prometeu também ter): eu já caminhei por estas ruas, meu bem. Eu sei o quanto dói e o quanto não dói desacreditar do amor. E também sei que os sonhos são muito mais fáceis do que a realidade. Se pra você, hoje, eu sou só mais um prêmio - na sua estante de prêmios tolos -, saiba que para mim você foi o motivo de não querer mais seguir. Eu abri mão do amor, enfim.