Anamnese

De que matéria o esquecimento é feito?

De toda aquela que um dia existiu e se dissipou, levada pelo vento do vazio, só restou a poeira da memória nos confins do ser.

Espero um dia esquecer tudo aquilo que já esqueci, e num instante, tornarei a lembrar tudo novamente.

Podemos ser ingenuamente mais alegres sem a presença do passado a nos visitar, mas sem ela, como lembraremos de um futuro que nasce hoje?

Trazer uma memória desprovida de uma nostalgia melancólica à superfície, é uma árdua labuta para quem sofre com o arrebatamento de suas desobedientes paixões.

Aprender a lidar com o que já foi e não mais é… Como não se acorrentar àquilo que não volta, como um escravo do tempo?

Lembrar é sentir, reviver, rir, chorar, pensar.

O mais infortunado dos seres é aquele inerte, que não pensa no que será nem no que foi, que harmoniza somente o presente. Lamento… pouco sabe que o mais verdadeiro presente é viajar no tempo através dos sonhos e das lembranças.

Esquecer é o destino de quem vai e a luta de quem fica.

Contra a saudade não se travam batalhas, ela é um barco que veleja sobre as águas doces do mar das memórias, não é difícil encontrar ele, para alguns é até fácil demais, seu preço é gratuito, mas seu valor é alto. Ele embarcas as gentes pelas ilhas de toda parte, basta esperá-lo ou adentrar o oceano sem medo de se afogar, em uma busca pela intensidade de um sentimento cuja eternidade o tempo guardou.

Esquecer não é o mesmo que relevar, podemos não atribuir o devido valor àquelas mesquinharias que não merecem nossa completa atenção, mas a memória independe disso, ela persiste queiramos ou não. Damos vida à ela, não podemos esperar que ela se vá, ela é fiel, não abandona quem a trouxe ao mundo.

Se existe algo mais trágico que sofrer, esse algo se chama esquecer. Enquanto o coração pulsa e queima, não restam dúvidas de que ele está vivo cumprindo seu papel, mesmo que desagrade seu dono ingrato a quem dedica a vida inteira. Quando mais nada afligir o mais profundo eu, o coração esquecido tremulará à força dos quatro ventos, dançando nos rumos de uma estrada sem vida, sem volta, sem sangue, sem a dor que invade a existência.

A única eterna certeza que restará para isto que agora não passa de uma carne morta, é a incerteza. Nunca mais haverá outra chance para esquecer o que se foi, porque ele jamais voltará sequer a se lembrar.

Flora Fernweh
Enviado por Flora Fernweh em 23/06/2020
Reeditado em 23/06/2020
Código do texto: T6985966
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