Ser poeta
Ser poeta não é escolha, é o dom inato de viver à deriva. Existe um abismo onde as paixões humanas se escondem, dar luz a elas é trazê-las à superfície do mundo ordeiro e marginal. Quem nasceu para ser poeta, jamais carregará o fardo inocente de nada ser, o poeta é o verdadeiro caos na Terra, suas palavras ressoam quando aqueles que nunca tiveram nada, despertam do sono da ganância e dão se conta de que também nunca foram nada. No poeta residem todas as grandes guerras, os dias bons e ruins, os mistérios da vida, os piores desastres e os mais sinceros prazeres. A gênese do mundo e o apocalipse dos dias pertencem unicamente à criatura chamada poeta. Será ele sensível por ter o poder em mãos de dar vida à palavras reflexivas ou será ele insensível por não bater em sua porta antes de invadir seus sentimentos? Estranha essa gente que escreve, cuidado com tudo o que gritam em meio aos papéis, duvide de tudo e de todos, seja mais forte que as palavras perturbadas que te assombram, elas podem não passar de um vômito frênico, muita cautela com quem está te avisando sobre isso, a abstração é uma das minhas mais concretas virtudes. Não titubeie se sua escolha for vasculhar as sombras ao invés de afugentar a luz pálida que te ilude, a demanda por sonhadores te garantirá um emprego fixo na empresa das paixões. Ser poeta é cutucar a ferida que quer sarar, é viver a morte que quer se enlutar, é vagar pelo mundo em uma busca vã de rostos familiares, é não saber o que é ser poeta e desconhecer-se nas horas mais banais, é trazer um pássaro morto em um dos olhos, ofuscado pela ave viva que o outro olho carrega como uma pluma, é olhar para a vida como quem encara a face mais triste do amor e a face mais bela das noites. Poeta é aquele que guarda um grande segredo por trás do portão de sua alma e que transborda quando mira o horizonte que escreveu com seu coração que sempre espirrou selvageria.