Despedida
Avistei pela última vez as ruas construídas pelas pedras cinzentas. Os edifícios e a casinha de esquina. As janelas do saudoso restaurante continuam as mesmas. Embaçadas pela neblina, que se formou há poucos minutos. Esse vento calmo me traz tantas recordações que as lágrimas não demoram a cair. Não encontro saídas desse mundo esquecido. Não
encontro entradas para os lugares contentes. O desespero pôs fim à relutância pela vida e o que faço é fugir. Os pingos de água salgada não molham mais a madeira esverdeada daquela casa tão familiar. Naquele pedaço de chão não há mais as pequenas urtigas e nem mesmo os resquícios de um lar. Foi-se o tempo das idas matinais à procura da imagem daquele honesto político. Do contentamento à caça das embalagens de cigarro. Agora nada mais faz sentido nesse voraz mundo. Os seus dentes afiados vão dilacerando as minhas expectativas e do teu imenso ódio eu me inundo.
Outrora, a minha maior preocupação era a areia fina nos olhos. E as pequenas ondas que se formavam tão perto da calçada, me mostravam o quanto a vida valia a pena. Aquelas estradas
poeirentas, circundadas por inúmeros eucaliptos, são apenas lapsos de imagens em minha consciência. Pelo casarão de madeira me sentia confortável, largado no grande sofá. O cheiro do almoço invadia toda a sala enquanto folheava algumas revistas. Já não mais existe, a inquietação nos dias anteriores a tão aguardada saída matinal. Os olhos esperançosos na janela do quarto ou da sala. O tempo se incumbe de todos os bons e maus registros de nossas vidas.
Observo, pela enésima e última vez, a estrutura tão frágil defronte ao descascado portão do Angélica Paixão. Na Dona Teteia, obtive tantas alegrias. Tamanha é a vontade de passar novamente por aquele pedacinho de chão, e vivenciar esse sentimento tão peculiar. A algazarra das crianças no extenso corredor se transformou em sussurros ao vento. Olha ali o campinho de terra e areia, juntamente com muitas folhas que despencam da enorme árvore. Vejo o trio se formando mais uma vez nessa pelada tão empolgante. Eliomar, Cristiano e eu, desfilamos sob um sol moderado por muitas direções. E a surrada bola de futebol agradece aos carinhos.
Nessas águas escuras, vejo os pedalinhos sumirem atrás do manguezal e as flores coloridas enfeitarem o chão de terra batida. O vai e vem frenético das abelhas que passam velozes por cima da tapagem marrom-escuro. Esse é o derradeiro passeio num barco, de médio porte, azul e branco. Feliz, mas um pouco enjoado, avanço sobre as marolas no canal principal.
O odor de peixe ainda se faz presente em toda a sua estrutura. Nos cantos, muitas linhas e anzóis de diversos tamanhos. Alguns ainda permanecem com iscas ressecadas. Sinto, depois de tantos anos, a maresia impregnada nas mãos, nos cabelos, na alma...
Os cantos dos pássaros ecoam em meus ouvidos pela última vez. Vejo as ondas de encontro às rochas nessa manhã derradeira de novembro. De estar por aqui nos dias bons não me recordo. Fugas repentinas para esconderijos abstratos eram o que se reservavam para mim. E nem assim, os meus problemas eram solucionados. Pelas águas abaixo da antiga ponte, observo as verdades que somente eu posso detectar. À vontade,
em ritmo frenético pelo ar, vejo o tempo correr com os olhos cheios de entusiasmo. Os sonhos eram inexistentes, pois tudo era vivido em tempo real. Não havia espaço para o marasmo e lamúrias. Partirei por esses dias sem esperança de retorno. Pela estrada que seguirei não haverá acostamentos, postes de luz ou outras pessoas ao entorno. O fardo
tornou-se insuportável em meus ombros. Não visualizo mais nada às claras embaixo desses escombros, e a vida não faz nenhum sentido agora.