Vivências

O sino toca como há anos o ouço. Os barcos de pesca seguem tímidos

pelo mar adentro. Há carícias quase sempre nas vidraças, feitas pelo vento. E os sons fantasmagóricos permanecem vivos em minha memória. Naquele pedaço de chão, com capins por todos os lados, lindas urtigas e raízes de batata-doce se proliferam. A poucos metros, a esbelta e carismática castanheira.

Sobre o fogão vermelho, se encontra o bule que esquenta o café.

Ao ferver, produz um som memorável. Todos estão na sala, nos sofás rasgados e desconfortáveis. Na tevê, o programa da Xuxa nos presenteia com desenhos fantásticos e brincadeiras diversas. Após o almoço, Fabinho passa aqui em casa e vamos juntos à escola. Na verdade, hoje mataremos aula perambulando por aí. Hora no fliperama, hora no bar real.

A ruazinha mórbida está como sempre. Suas pedras descascadas dão vazão a seis direções. Contígua a ela, se encontra o recanto dos que se foram. Há flores diversas espalhadas pelo chão, e folhas secas perto dos muros. Os insetos, característicos do ambiente, percorrem afoitos pelas frestas e mergulham na terra amarelada. O aroma aqui sentido me leva a mundos extremos: o da solidão, da perspectiva, da magia, do contentamento, da jovialidade, da paixão...

Os pneus carecas de minha bicicleta passam a mil por hora e seguem imponentes pelo Caminho da Fonte. Na bagageira, um barulho irritante dos cascos de refrigerantes se chocando entre eles. Atravesso a ponte, como de costume, num piscar de olhos. Há muito fluxo de automóveis por causa da alta temporada. Isso tarda um pouco, na revendedora de bebidas do Arão, a minha chegada. Finalizo o que tinha para ser feito, e tomo o caminho de casa com muito mais cautela, pois agora estou transportando cascos de refrigerantes cheios.

As ferragens amarelas se tornam verdadeiros labirintos, onde nos aventuramos por cada passagem. Agora, o tempo transcorre de forma lenta e nada lá fora causa a mínima preocupação. Não existem responsabilidades. As ruas estão sempre calmas e convidativas. Nesse exato momento, estamos livres das cinzas daquelas ruínas existentes na consciência. Temos asas, e voamos a direções diversas, sempre com a vontade insaciável de alcançar o impossível.