Relato de Ano Novo, um Relato de um Eu Novo:

Durante o crepúsculo todos admiravam a rua, aguardando sol que demorava mais do que o esperado. Estavam receosos pelos perigos da madrugada, impacientes olhando do alto o dia que se desenhava sobre aquela rua ainda deserta. Quando de repente, alguém apontou uma fina silhueta extremamente dourada. Era mais do que dourada, era um amarelo alaranjado flamejante! Nunca haviam visto aquele sol. Inesquecível. Ele brotou como lava em erupção e saiu de um ponto do horizonte não esperado, tudo foi surpreendente. Por sorte havia visibilidade e os prédios, os malditos prédios da cidade cinza, não soterraram a visão. Após surgir no horizonte, seu nascimento se deu em um instante. Em rápida ascensão aquela bola ia aumentando por trás de uma fina névoa tingindo-a de diversas cores, de modo que, conseguia-se olhar diretamente para ela - não sem que a visão ficasse com uma mancha preta por alguns minutos em consequência - Mas olharam por um bom tempo… o majestoso astro.

Os dias tem uma tendência a mudar sua cena, sem que a natureza dependa da nossa vontade ou expectativa e durante a tarde, o sol brilhante deu lugar à chuva. Pelo menos a cidade cinza, combina com dias cinzas. Foi então que uma daquelas testemunhas do amanhecer, quase chegando em casa olhou o entorno e pensou: Mas que chuva linda! Tentando andar devagar para apreciar mais um pouco tudo aquilo, a luz, as nuvens, a água que caia do céu, escorria pelo chão, dançava nas poças...era quase como suas lágrimas, o dia também chorava...

Foi aí que aquela voz que costuma viver dentro de si, chamada às vezes consciência, finalmente disse-lhe após muito tempo calada: “Por que deseja-se tanto a compreensão dos outros para consigo? Já que sabe-se que o que mais os homens procuram está na verdade em si e não há ninguém em quem possam encontrar. Por que ainda não deixaram de procurar extrair algo dos outros, e não tentaram apenas levar? É preciso levar algo de si ao mundo, pois se o que procura-se não está em nenhuma pessoa e em nenhum lugar, não importa onde se vá, não faz diferença. Pois, não se pode fugir de si mesmo. E talvez, em tentar levar algo ao outro, possam perceber mais de si próprios e assim estar completos.

Concluiu então que a solidão é um mal, mas também um remédio.

Finalmente, aquela testemunha andarilha, regressou à sua casa e rasgou seu passado. Antigos relatos, escritos em vários diários que carregou e escondeu com tanto cuidado e carinho por quase toda a vida. Rasgou aquelas ilusões, brincadeiras, a nostalgia, a infância. O melhor guardou em si. Mas rasgou tantos e tantos relatos, tantas e tantas folhas do passado, gemendo pela força que fazia e a frustração que sentia, chorando e sentindo um velho conhecido arrepio. Arrepio talvez, pelo medo do novo e do resultado. Arrepio pela quebra de um pacto com algo que nao é físico, com o seu eu que já havia-se ido dando espaço para outro.

Decidiu então não esperar mais nos outros.

É um novo ano...