A morte começa pela boca

Certo dia num velório, após a finalização de tudo e já indo embora, estava eu a caminhar cabisbaixo, mãos no bolso e sob o céu nublado ao entrar da noite.

No caminho de casa, ainda próximo das largas e altas paredes do cemitério, um senhor aparentando seus oitenta e poucos anos, parado em minha frente me aborda com uma pergunta:

-Meu jovem, você sabe do que esse pobre e jovem rapaz morreu?

Em sinal de resposta positivo balanço a cabeça e digo-lhe sobre a doença o qual fez aquele bom amigo partir.

Contrariando com um sinal negativo, aquele senhor calmamente diz:

-Não meu bom rapaz. O seu amigo morreu pela boca.

Sem entender direito, imaginei que fosse por questões alimentares. Mas antes mesmo de concluir esse pensamento, aquele senhor continua.

-Não é esse tipo se morte que imagina. Vou lhe explicar. Veja bem, levamos uma vida regada de objetivos e obcecado por eles. Criamos expectativas nas coisas e nas pessoas. As coisas quando não conseguimos, superamos e seguimos. Mas as pessoas. Ah, meu jovem! Infelizmente as pessoas é um bem e um mal ao mesmo tempo. Aquele pobre rapaz, que Deus o tenha, viveu a vida pelas pessoas. Se doou demais, sacrificou demais. E no fim, esqueceu de si mesmo. A consequência disso é que lentamente seu corpo começou a precisar alertar de que as palavras o machucavam e que em vez de guardar, deveria voltar para si e lavar dessas mágoas das pessoas próximas que tanto fez bem. Mas infelizmente. Ele preferiu guardar e continuar a se doar. E por anos fazendo isso, seu corpo em última vontade de chamar atenção, trouxe a chaga que o atormentou. Mas infelizmente, era tarde demais para ele constatar e curar. Em si já havia muito acúmulo de dores causadas pelas pessoas. Então meu caro rapaz. Cuidado. Pois a gente morre é pela boca.

E num ato de despedida, aquele senhor seguiu seu caminho.

E eu continuei parado. Olhando o vazio. Enquanto lentamente os tímidos pingos de chuva constantes e gradativos pareciam me acariciar como se já entendesse o meu fim.