Geração Bolha

No ônibus, um jovem, entra, olha para o único lugar vago, uma cadeira reservada para usuários especiais. Senta-se nela, abaixa o boné até cobrir os olhos, coloca os fones de ouvido, encosta-se no vidro e dorme profundamente. Uma senhora, com embrulhos à mão, entra no próximo ponto e estanca em frente ao jovem sem incomodá-lo. Algumas pessoas protestam em voz baixa, outras apenas olham e ignoram, outras ainda respondem:

- Ele não está fazendo mal a ninguem!

Tenho reparado muitas vezes uma tendência bastante preocupante nas comunidades virtuais. Existe uma infinidade de pessoas que defendem, a todo custo, toda e qualquer manifestação de opinião, sem nenhum critério artístico, filosófico ou racional. Aos que tentam provocar um debate expondo alguma contrariedade, logo é relegado ao isolamento e hostilizado por um sem-número de alcunhas pejorativas. Então, tudo tem seu espaço na opinião pública, menos o senso crítico. Geralmente a resposta que mais leio é "não gostou, não leia (ou não ouça, ou não compre, depende da forma de apresentação)". Outro dia eu vi um vídeo, em que a pessoa, cuja proposta maravilhosa é ensinar técnicas de literatura, para que seus inscritos consigam realizar o trabalho com um mínimo de qualidade, defendendo trabalhos de pessoas onde o amadorismo chega ao cúmulo do semi-analfabetismo literário. Apesar da surpresa, achei bastante incoerente da parte dela, mas enfim... Os comentários, como sempre, sucederam de forma a apoiar tal conduta, trazendo as justificativas que já apontei acima.

Minha comparação defende que a grande maioria, infelizmente, é a que se destaca para a história da humanidade e esse é o selo que, daqui há algumas décadas, será mencionado nos livros da história. Uma geração covarde e frágil.

A covardia é porque refere-se a característica de ser submissa a qualquer coisa, sem nunca lutar, sem levantar bandeiras, o medo das contradições, sem bases sólidas, onde os conceitos subjetivos são mais considerados do que os concretos conceitos morais e éticos. Ao contrário, quando uma voz levanta-se, tentando lutar contra a maré, logo ela é sufocada diante da imensidão de "cala a boca!" a que é submetida e sem forças para combater, logo é silenciada. Uma geração que se acovarda e se resigna, deixando-se dominar pela vulgaridade e simplicidade. Covarde porque é passiva e tíbia. Aliás, se há algum ponto positivo é a obstinação em manter seus conceitos chulos com veemência.

A fragilidade vem da necessidade de ser elogiado e nunca criticado, toda e qualquer objeção é refutada com argumentos impetuosos que só um estudioso ou especialista de larga experiência ousaria aplicar em sua defesa. As pessoas não admitem, sob nenhuma justificativa, que sua opinião seja sobrepujadas. Todo e qualquer trabalho deve ser considerado como obra-prima fruto de um gênio singular, digno de todas as glórias possíveis e imagináveis. Mas se alguém se levanta para propor uma discussão..."que o céu lhe caia sobre a cabeça, maldito sejas!". Porém, o produtor não segue sozinho nessa defesa estapafúrdia, pois o mesmo, conta com um exército de "seguidores" que não economizam em suas verborrágicas teorias mal formuladas e criativos pseudônimos humilhantes. Tudo, obviamente, sob um sentimento falacioso de segurança onde se pressupõe o anonimato das redes sociais.

Até a palavra "seguidor" não tem muita relevância, já que geralmente é identificado pelo indivíduo que viu um único trabalho do suposto "líder", achou interessante e resolve se inscrever para ter algum contato. Na prática, esse "seguidor" quase sempre não acompanha a evolução das "obras" na sua totalidade. Para ser "líder" basta que haja alguma promoção do próprio nome e se destaque dentre muitos. Líder esse que, não terá nenhum escrúpulo de despejar, em cima de seu círculo, o mesmo que produz numa privada.

Outro dia, li a entrevista de uma poetisa que acabara de lançar o seu trabalho. O rapaz perguntou-lhe qual era seu estilo e a mesma respondeu:

- Eu escrevo o que sai do coração!

Ora, sinceramente? O que sai do coração dela pode ser importante para ela e as pessoas mais próximas intimamente, mas para o grande público isso é uma falta de respeito e consideração. Ou ela não tem a menor ideia do que são "estilos".

Bom, falta senso crítico, personalidade e vontade de manter-se fiel às próprias convicções. Um mundo onde tudo tem lugar, logicamente será devastado pelo mais simplório, mais vulgar, pela obra menos elaborada e mais fácil de ser compreendida. Um mundo onde perder-se-ão o conceito do belo e do misterioso, do infinito e do imenso.

Qual sociedade seria mais fortificada? A que esta acostumada aos cânticos de Homero ou às baladas de Tiririca e Lepo-Lepo? As que se debruçam em obras de Shakespeare ou os livros escrito por Kéfera (argh!)? Onde está a opinião e a base de conceituação? Tudo tem realmente lugar no mundo?

A bolha, nesse caso, simboliza uma criatura oca, sem forma definida e que se deixa conduzir pela vontade de outros.

Ps.: quem sou eu? Ora, eu sou aquele que não depende da cor de uma poltrona para perceber a necessidade de outros.

M P Cândido
Enviado por M P Cândido em 04/01/2017
Reeditado em 07/01/2017
Código do texto: T5871641
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