"Culturar" a cultura (?)
Sabemos que o nosso país se envolve mais com a arte de fora do que com a que já está aqui dentro - ainda mais no campo literário e musical. Porém, na realidade, enxergamos que a nossa cultura é tão segregada quanto o nosso povo. Verdade?
Por que um funk vulgar que diz que a mulher tem que "sentar num pau" para sentir prazer é muito mais obsceno e "feio" que um hip-hop norte-americano que diz "fuck me, baby"?
Bem, as duas coisas podem ser parecidas, porém nunca serão iguais em um país que só escolhe um lado das extremidades - onde o mais pobre ouve pagode e o mais rico ouve música erudita. No qual gostos não importam, por exemplo. Onde uma criança da "favela" nunca ouvirá Tchaikovsky e nem terá interesse em tocar violino. Logo correrá ao samba, ao mesmo funk vulgar ou aos "hits das rádios". Porque isso é "cultura do povão", "a cultura da lage". Só um momento... Isso é obrigatório a todos "da lage", do "povão"?
A questão nessas ironias, como é assim que eu vejo essas falácias exageradas, é que as pessoas não se permitem conhecer por elas. Complicado.
Eu posso afirmar que "não gosto de funk", mas com certeza devo saber algumas letras e ritmos do gênero, tal como posso dizer que "eu não gosto de música erudita", tendo ouvido algumas sinfonias e orquestras em rádios, vídeos ou orquestras e concertos presenciais.
Contudo o que me deixa extremamente desanimada não é o funk, o pagode, o samba brasileiro ou as músicas eruditas e sim o desconhecimento e o descaso na sede cultural intelectual do meu país. O Brasil é um caldeirão tão cheio, que até transborda de etnias, de herança, de legado, de História... E ainda assim importa as sementes das suas próprias frutas e pior - sem colher.
Lamentável. Lamentável é seguir uma "cultura", se encaixar nela, sem saber o porquê. Sem realmente desejar e pesquisar mais. Sem sede. Por puro contato primário, como quando uma criança engole uma formiguinha.
Partindo à literatura, sabemos também que o nosso país, nesse campo - que é o que se releva bastante no Recanto - segue muitas influências europeias. Continua seguindo e agora de novo a norte-americana.
Não é algo "negativo", assim não vejo. Mas vejo que aquela "ironia" de ricos e pobres ainda contamina o espaço e cada dia mais vejo também que mentalmente, de modo generalizado, o nosso país é inteiramente pobre -até no conceito que estabelece de "pobreza" e "riqueza". Conceitos que não são verídicos, tampouco bem-colocados nessas lacunas.
Mas é pobre. É pobre de interesse, pobre de emancipação de variedade, pobre de aprofundamento multicultural PENSANTE do que vivemos aqui todos os dias.
É melancólico - realmente - me deparar com essa "hiper-valorização" superficial, sem uma única análise aprofundada, do que que é "de fora" e em casos de "legitimidade" do que "é de dentro", como um padrão a todo brasileiro.
"Machado de Assis, Aluísio Azevedo, José de Alencar, hein? São as "leituras obrigatórias", mais nada. As palavras são difíceis demais, as temáticas são chatas demais, a leitura é cansativa demais... Prefiro Nárnia, Harry Potter..." Ah, mas eles são os gênios!
Pois prefira! Mas prefira com clareza. Prefira com análise. Com a permissão do contato, do real conhecimento acerca de todo autor e autora que você aponta. Não basta bater o olho e ler a primeira linha, se jogar nos resumos padrões de vestibular e achar que conheceu o autor/autora e sair dizendo "é gênio" ou "detesto, eu durmo."
E falando sobre esse "culturar"... Sei que há muitos imortais entre nós, mas nesse sentido, a "imortalidade" precisa ser audível e não muda, oculta.
Também precisamos parar de nos menosprezar tanto e começar a usar o cérebro complexo que existe dentro de cada cabeça. Isso é dizer muito ao ser humano? Que trabalha demais, que respira de menos, que se cansa demais? Ser humano é lá diferente de ser brasileiro? Porque parece, vendo a idolatria que muitas pessoas desse país fazem sem consciência de que também podem ser "brilhantes" e também podem escolher coisas tachadas de "elegantes", se gostarem, ainda que não sendo ricas. Vão lá!
Ei, você, que tem o mínimo interesse intelectual - e quanto digo intelectual não falo só de "x", "y" ou "z". Você! Você que tem interesse, por menor que seja, de conhecer... Viaje. Viaje nesses livros. Viaje nas telas. Viaje nas músicas. Viaje nas SUAS obras. Nos SEUS pensamentos. Pense mais, pensar é o exercício básico de uma mente que vive. Sei que a cultura é um legado coletivo, porém você não precisa se obrigar a se inserir, nem se privar de conhecer infinitas.
O Brasil precisa de mais pensadores e menos "leituras obrigatórias". O Brasil precisa de investimentos, contando aquele investimento feito por cada um.
Se é tão fácil transmitir a segregação e falácia, por que não a cultura de culturar-se sempre mais e com profundidade? Pois é, fico a pensar. Acredito que a cultura precisa começar a ser vista como um verbo.