O Tempo Levou
Hoje, observo atentamente as janelas que se debatem, perdidas nas mãos de fortes ventos. À minha cama, tomo um costumeiro chá de cidreira com hortelã e vou submergindo quase que sem querer, a um mundo que outrora me convidava a sorrir nas manhãs frescas
de inverno, nas tardes e noites de verão. Calço as minhas sandálias e com alguma dificuldade caminho até a porta e saio. Mas sair pra onde? Qual será agora o meu destino? Vejo tantas crianças desenvoltas a correrem pela terra que circunda o imenso parquinho. Vejo tantos casais sentados aos bancos, rindo à vontade ao mesmo tempo que observam atentos as suas crias. Vejo uma atmosfera tão propícia ao bom entendimento, à união de seres que navegam tranquilos num oceano de paz. E consequentemente, a um estágio de vida onde não há espaço pra qualquer sinal de dor. Vejo a alegria inocente que sai dos olhinhos puros e promissores. Vejo algo tão mágico à minha frente, e me recordo do que nunca tive vontade de fazer. E havia tanto a se fazer! Havia tantas conversas sadias que preenchiam o ar por onde transitava. Havia tantos dias lindos, em que o sol se deitava mais tarde, e proporcionava a quem quisesse: caminhadas à beira mar, em meio a músicas ambientes e pessoas diversas. Havia tantas possibilidades de se erguer do sofá, da frente do computador e da televisão...
Fui tolo em pensar que tudo aquilo que transbordava perto de mim jamais se findaria! Fui tolo em achar que as simples coisas da vida não me diziam nada! Agora, nesse exato momento, elas são como pedras preciosas inalcançáveis. São como poesias perfeitas sussurradas em ouvidos mortos! Como me arrependo de tudo isso! Como queria voltar ao tempo e gritar para todos que vivo a cada minuto com intensidade, e que nada me fará desviar do percurso. Como queria ter prestado mais atenção nas frases mal terminadas dos filhos, depois de mais um dia de aula. Nas pinturas simples, mas com traços de ternura e verdade. Estou bem mais perto do fim dessa longínqua estrada, com dores que percorrem destemidas pelo meu corpo e trazem as doenças silenciosas. Abaixo desse céu cinza e confuso, sou apenas alguém que sofre na solidão mortífera, que dilacera aos poucos todo resquício de vontade que ainda perpetua em mim. Olho para o movimento contínuo dos pássaros por cima das árvores, e me recordo das inúmeras vezes que os via voarem contentes pelos arredores da minha antiga casa. Lembro-me de como tinha livre acesso a todos os cantos, e pra nenhum deles prosseguia. Lembro-me do cantar matinal dia após dia, quando pousavam donos de si por cima dos fios de alta tensão, por cima dos telhados e ribanceiras. Mas, eram situações corriqueiras que não me diziam nada, pois os meus olhos avistavam apenas momentos sem nenhum valor.
Vivo nesse minúsculo quarto, onde encontram-se: uma simples cama, e uma enferrujada geladeira que vive vazia por quase todos os dias. No canto uma pequena cômoda onde guardo as cartelas de diversos remédios, juntamente com certas anotações, muitas fotos e revistas. Há uns três livros de poesias, onde sempre quando posso leio em voz alta para não me esquecer que ainda vivo, e que ainda há espaço para sentir algo bom.
As rugas e vincos me encaram severamente frente ao espelho, e gritam desvairadas: como estás velho! Como definhas de forma acelerada! Sequer consigo chorar, pois as lágrimas se foram há tempos... A alegria que dançava esbelta em um corpo jovem e esperançoso, a coragem e força pra poder entrar com tudo em árduas guerras, a capacidade de amar de forma desmedida, a vaidade e orgulho que andavam imponentes: tudo isso o tempo levou.
Alexsandro Menegueli Ferreira- 25 de Novembro de 2013