Desabafo de Rúbens Cavalcante

Por favor, não riam na minha frente. Rir, a essa altura da vida, é o cúmulo da hipocrisia. Por quê? Porque enquanto você comemora um “tic” da felicidade esquece-se do “tac” que te faz chorar. Não, não estou dizendo para enfiar a cara debaixo do travesseiro e se derramar em lágrimas; apenas digo “não comemore, pois os ‘tic tac’ do relógio machucam o couro ao seu brinde de champagne e, enquanto está bêbado em algum canto do banheiro, as horas se arrastam à sua depressão que chama de ‘ressaca’. És um hipócrita. Todos nós”. Sim, incluo-me no bolo desse “nós”, admito o quanto é difícil conter um riso quando acha uma nota de dois reais, ou cinco, ou dez, tanto faz, no chão da rua. Então sugiro que pegue um filme de duas horas e meia de duração, assista aos melhores cinco minutos e se contente com o que viu. Não dá, uma vez que, fora deste instante de euforia, temos duas horas e vinte e cinco minutos de contas e impostos para pagar, empregos perdidos, amores que se vão e toda uma vida banal para lidar das 5 da manhã às 23 horas da noite seguinte.

É foda. É desgastante. É estressante.

Me consome.

Eu fico feliz quando um alguém qualquer me deseja “bom dia” na rua. Não sei o porquê, entretanto não sinto o mesmo tesão quanto ao “boa tarde” ou ao “boa noite”, mas o “bom dia”...

Penso que, só talvez, seja pelo fato do dia estar apenas no inicio, e começando bem. “Boa tarde” ou “boa noite” remete à um dia que já está para terminar. Cá entre nós, uma felicidade tão breve, frustra.

Em contrapartida há muitas pessoas que eu queria que apenas passassem reto por mim, sem falar, até sem olhar. São, predominantemente, pessoas que eu gosto; sei o quanto soa esquisito, basta, porém, apenas entender que estou de saco cheio de ter que justificar o motivo de estar falando pouco, ou até de estar sonolento depois de uma noite de boxe. Eu gosto de falar como eu me sinto, todavia não o tempo inteiro nem como uma obrigação. Não irão tornar meus sentimentos bestas, assim como acontece com tudo o que é repetitivo. Pedir para ouvir como estou a cada instante é pedir para ouvir o mesmo discurso incansavelmente, não sinto tanto e o que se passa comigo não costuma mudar.

Preciso de espaço, preciso de ar; preciso perder o ar com meus cigarros sem ter que dizer em tópicos todos os males que eu sei que causa em mim. A minha vontade é a de distribuir relógios para que nem as horas me perguntem. Quero caras novas, vozes novas; olhar-me ao espelho e me gravar cantando com o pior gravador que tiver por perto. Quero alguém para amar; um amor não correspondido só para ter algo para planejar durante noites de insônia. Esse script diário me dá sono.

O problema é o novo. Não. O problema é o que se forma quando me junta com o antigo. Não canso tão rápido assim, ou talvez me canse, mas eu não teria pelo o que me cansar se as coisas fossem mais dinâmicas.

Minto. Pensando aqui agora, creio que a palavra não seja tanto “novo” e sim “valor”. Gosto de coisas com sentido, mas tudo perde a grandeza tão rapidamente. Sim, estou sendo bastante convidado para festas. Festas? Lugares lotados de corpos, de matéria física. Não estou dizendo com isso que as pessoas que vão a festas são pessoas vazias. Não! Estou dizendo que quem vai a festas, vai para esvaziar a alma. É como se o seu valor fosse pesado demais que nem você se aguenta. “Alma”, vindo de um ateu, como eu, pode-se entender como “caráter”.

Dispenso. Roupa pelo chão eu vejo entre quatro paredes. Prefiro que venham a despir seus enxergar de mundo – delineado, esculpido, cuspido ou escarrado – na folha em branco do que esperar a carona da amiga que está atrasada escolhendo a roupa da festa que terminará com seu corpo exposto em seu sutiã de lantejoulas.

Não, não, não... Chamem-me para ficar em casa com o violão no colo e uma xícara de café do lado. Chamem-me para transformar histórias em melodias e te preparar um cappuccino, ou um café latte, um espresso, um ristretto ou, se preferir, um mocaccino. Só me dê uma única boa companhia e um papel e uma caneta.

Não mentirei dizendo que sou um cara saudável. Bem longe disto. Também nunca associei caráter a hábitos alimentares. Quando me falta café, o whisky acompanha os tragos em meu cigarro; ou até uma ou outra cerveja quando a grana aperta.

Eu não fumo rindo, eu não bebo rindo, eu não faço café rindo, eu não componho rindo; não há nada para se rir. A prova disso é que você força piadas sem graça para que tudo pareça bem e enche a cara na rave sexta a noite para que rir seja mais fácil, para acordar mais tarde no sábado, para que o dia tenha menos horas, para não ter que aturar a vida enquanto sóbrio. Afinal, sobriamente falando, não há motivos inteiros para estarmos inteiramente vivos.

Não há nada para se ver lá fora. Nem aqui dentro, mas aí fora tudo se corrói tão fácil. Tão fácil quanto as pessoas desencantam-me. Coisas e pessoas previsíveis. É isso, passa-se a conhecer alguém e em pouco tempo traduz seus gestos em verbetes. O que preciso é de novas bibliotecas e ler seus livros com mais calma.