Criança

E como explicar para a ingenuidade de uma criança que o amor não acabara com o apagar das luzes? Como mostrar a ela que aquele caso singular envolvia muito mais detalhes do que sua pequena mente poderia compreender? Talvez fosse impossível, talvez as lágrimas que ninguém mais viu fossem mesmo necessárias. Lágrimas sempre são necessárias, ela entendeu depois de muito tempo, embora não tivesse muita importância entender agora.

Achava ela que ninguém precisava saber de seu sofrimento, talvez ela estivesse certa, ninguém sentiria o que ela sentia naquele momento, ninguém entenderia. Pois é, crianças são fortes, a gente cresce e fica fraco. A ideia era guardar em si tudo o que havia passado, não poderia nem sequer explicar sem que seus olhos enchessem de água e não poderia chorar, não poderia ser fraca depois de vir sendo forte depois de tanto tempo. Chorar não resolveria nada e só teria significado para ela, apenas ela compreenderia o motivo das lágrimas rolarem em seu rosto, então apenas ela saberia que estivera chorando por esses anos. Suas lágrimas já tinham feito surgir outras lágrimas em rostos alheios, não podia fazer com que mais pessoas chorassem por sua causa. Tanto era incompreensível que muitas pessoas se confundiram e a chamavam de fria, não percebiam o quanto era difícil esconder seus sentimentos. Isso criança, seja forte.

Era como estar sozinha enquanto todos a sua volta estavam acompanhados e felizes, era o ter e o não ter ao mesmo tempo, e quando estava por perto saber que não podia esperar nada dele. Havia sido iludida. Por que razão acreditara que tudo ficaria bem? Não tinham nem tentado manter essa mentira, nem tentaram fazer com que parecesse verdade. É, ela estava só, como sempre e desde cedo. Foi vivendo das memórias dos outros, de histórias que os outros contavam. Com os amigos sempre ficara calada ouvindo, ela não tinha experiência para compartilhar, só a vontade. Talvez fosse melhor nunca ter tido do que ter perdido. As poucas lembranças que tinha era o suficiente para reabrir a ferida, uma ferida interna que só ela sabia que existia.

Havia, em parte, o medo de que achassem besteira ficar triste por isso, talvez fosse mesmo uma criança boba. Mas seria mesmo bobeira sofrer? Aprendera com a vida antes mesmo de tomar consciência, de saber que estava aprendendo. E lição de vida para apenas uma criança, é foda. E o mais foda era saber que ninguém nunca entenderia.