Tem uma hora em que devemos nos despir de nós, na frente de um par de espelhos intensos que nos fitem com ternura e paixão, loucura e devoção, sem nexo, sem censura, apesar do medo, apesar do abismo crônico que se forma aos pés de todos que alçam alto vôos, vôo cego como o do morcego, guiado pelo olfato e o instinto.
 
Nesta hora nem seremos nós, seremos alguém dentro de nós, a última casca, estruturalmente concebendo, aquela que desconhecemos porque jamais foi atingida. Quem seremos? Assim descobrindo, jamais o saberemos, porque quem nos dirá será quem nos observa com seus olhos de espelho, a testemunha ocular, aquela que não existe porque quem vê não enxerga o ato/fato em si, enxerga aquilo que suas experiências e sentimentos lhe dizem estar acontecendo, e quando narra, o ouvinte não escuta o que foi dito, escuta aquilo que suas experiências e sentimentos lhe dizem estar sendo dito.
 
Estamos fadados a não nos conhecer, conhecendo apenas aquele que parecemos quando refletidos neste olhar intenso. Resta-nos querer que este olhar veja algo belo, doce e furioso, ameno e ardoroso, que veja inocência e liberdade, carência e independência, amo e necessidade, completude e saudade, esta saudade permanente que sinto de você, de nós, que me faz suspirar longamente – como agora suspirei -, e desejá-la além do limite do desejo. Quando te vejo? Na hora em que me dispo de mim, na frente de uma par de espelhos intensos, seus olhos, nosso olhar.