SENDO NOS OUTROS A VOZ DO POETA

A minha metamorfose só está completa

quando por fim enlouqueço

à falta de droga no sangue

daquele que passando por mim

trémulo e chorando eu não esqueço.

A minha metamorfose só está completa

quando de minha boca o escarro é sangue

ilustrando princípios de cirrose

até que lhe sinta o cheiro e a deformação

acometendo um ébrio vagabundo exangue.

A minha metamorfose só está completa

quando me transformo num animal

e pressinto a chegada do pedófilo

esperando atrás das palavras o petiz

senão pela palavra que seja pela força brutal.

A minha metamorfose só está completa

enquanto espero a cada esquina

o passar dos carros e as palavras dos infelizes

desgraçada gente usurpando os direitos

de uma pobre e desprotegida menina.

A minha metamorfose só está completa

quando sou a loucura macia da infância

e descendo as ruas os meninos uivam à lua

organizando-se em grupos numerosos

à falta de pais da fome e de toda a discrepância.

A minha metamorfose só está completa

se sou sofrida e dorida mãe impaciente

por calar a boca de seu bebé que clama

de estômago inchado puxando pelos seios

e na falta de leite o faz adormecer num repente.

A minha metamorfose só está completa

se sou o metalúrgico o vidreiro o estudante

que todas as manhãs passam por mim

pensando em fazer um Mundo novo

contra o novo despotismo trágico e hilariante.

A minha metamorfose só está completa

se sou os senhores da guerra das injustiças

vivendo todos os horrores das inclemências

chorando cada uma das pessoas assassinadas

porque o poeta não omite nem faz destrinças.

A minha metamorfose só está completa

se jamais jamais calar a voz do poeta…

Jorge Humberto

05/08/09

Jorge Humberto
Enviado por Jorge Humberto em 06/08/2009
Código do texto: T1739882
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